O Fantástico divulgou na noite deste domingo (8) supostas mensagens de texto da ex-assessora de Flávio Bolsonaro, Luiza Souza Paz, que pode ter sido peça chave para o Ministério Público denunciar o senador do Republicanos por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
A denúncia revela provas de uma investigação que durou mais de dois anos sobre o caso das supostas “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). No esquema, funcionários da Alerj devolviam parte dos salários a Fabrício Queiroz, ex-assessor do filho do presidente Jair Bolsonaro e suposto operador do esquema.
De acordo com o MP, Luiza teria sido uma das integrantes do esquema que mais transferiram recursos para Queiroz, cerca de R$ 155 mil. Dos salários, que chegaram a R$ 4 mil, a ex-assessora ficava com, no máximo, R$ 800.
De acordo com a reportagem, Luiza era uma funcionária fantasta, e não era a única. Na denúncia do MP, além dela, outros 11 assessores ligados a Flávio Bolsonaro transferiam boa parte dos salários que recebiam na Alerj para Fabrício Queiroz, e seriam parte do “núcleo executivo” do esquema. A base de toda a movimentação financeira que o MP chamou de organização criminosa.
Um outro núcleo, chamado pelos investigadores de “operacional”, reunia Fabrício Queiroz, quem de fato mexia com o dinheiro; e Miguel Ângelo Braga Grillo, chefe de gabinete de Flávio tanto na Assembleia Legislativa do Rio, quando era deputatdo estadual, quanto até o momento no Senado, responsável por gerir os assessores.
De acordo com a denúncia, só depois de passar por esse “núcleo operacional” os recursos chegavam até Flávio, que o MP chama de “núcleo político”.
Segundo a denuncia do Ministério Público, o esquema das rachadinhas movimentou cerca de R$ 6 milhões ao longo de 11 anos. O então deputado Flávio e a mulher, Fernanda Bolsonaro, usaram dinheiro vivo para pagar empregados, passagens aéreas, quitar contas e comprar apartamentos.
Em 2011, de acordo com a reportagem, o casal pagou mais de R$ 2 mil em dinheiro vivo a uma companhia aérea para uma viagem até a cidade de Natal, no Rio Grande do Norte.
A denúncia do MP aponta que o casal gastou quase R$ 1 milhão a mais do que receberam entre 2010 e 2014 e que, para testar despistar as autoridades, boa parte do dinheiro não entrava nas contas do casal. Ainda de acordo com o Ministério Público, Flávio gastava menos de R$ 200 nos cartões de crédito por mês, em média, que quase tudo era pago em dinheiro.
A investigação descobriu que Luiza e os envolvidos no esquema eram funcionários fantasmas através de um mapa de calor, que rastreia os pontos onde os telefones celulares são mais utilizados, e identificaram que vários dos assessores de Flávio raramente iam à Assembleia, e que alguns ficaram anos sem aparecer na Alerj.
No celular da ex-assessora, foram encontradas trocas de mensagens dela com o pai, quando as primeiras investigações começaram a sair nos jornais.
Em 7 de dezembro de 2018, o pai de Luiza, que era amigo de Fabrício Queiroz e jogava num mesmo time de futebol que o ex-assessor de Flávio disse: “Caraca! Tu viu alguma parte do Jornal Hoje, hoje de tarde? Bateu direto naquele negócio do Queiroz (…) Direto isso, a foto dele estampada na tela do jornal hoje. Agora deu ruim!”
Seguno o MP, ao saber que também era alvo de investigações, Luiza perguntou ao pai sobre o que deveria fazer com os recebidos dos depósitos feitos a Queiroz, e citou encontros com o advogado de Queiroz e também com o então advotado de Flávio, Luís Gustavo Botto Maia, que também era funcionário da Alerj e atuou junto com Queiroz orientando diversos envolvidos no esquema das rachadinhas.
Em 26 de dezembro de 2018, o pai de Luiza envia a seguinte mensagem para a filha: “Contanto que te tire disso e esqueça isso de uma vez e a gente possa viver nossa vida normalmente, ele que invente as estórias dele lá.”
Dias depois, ela conta ao pai que foi chamada por um funcionário da presidência da Alerj para comparecer à Assembleia e preencher a folha de ponto, que diz nunca ter assinado. “Oi, pai. (…)Parece que falta alum ponto que não tá assinado. Só que eu não lembro de ter assinado algum ponto, entendeu?”
E o pai de Luiza orienta a filha a não ir até a Alerj: “Eles querem pegar um ‘bucha’ que é pra ver se desentoca alguma coisa.”
De acordo com a reportagem, segundo os registros telefônicos de Luiza analisados pelo MP, entre dezembro de 2014 e fevereiro de 2017, período em que ela era funcionária da Alerj, a ex-assessora só foi à Assembleia três vezes.
Em janeiro de 2019, segundo a denúncia, Luiza compareceu à Alerj a pedido de Queiroz para preencher as folhas de ponto de 2017, que estavam em branco. Lá, ela teria sido orientada a fraudar os documentos para tentar despistar as investigações sobre os funcionários fantasmas no esquema das rachadinhas.
Em abril de 2019, Luiza e mais 94 pessoas ligadas a Flávio Bolsonaro tiveram o sigilo bancário quebrado com a autorização da Justiça. Luiza comenta com o pai em mensagens.
“Já viu as notícias? Quebraram o sigilo bancário de um monte de gente. Provavelmente o meu também”, diz Luiza. “Já vi e já estragou meu dia”, diz o pai.
Luiza procurou o Ministério Público e prestou depoimento contando tudo o que sabia sobre o esquema das rachadinhas. No documento, provas levantadas ao longo de dois anos de investigações apontam, segundo o MP, desvios de dinheiro, a existência de funcionários fantasmas e uma série de outros elementos que apontam Flávio Bolsonaro como suposto chefe de uma organização criminosa dentro da Alerj.
Além dele, de Fabrício Queiroz e da ex-assessora Luiza, 14 pessoas também são alvo da denúncia, entre elas a mulher e a mãe do ex-PM Adriano da Nóbrega, acusado de comandar um grupo de extermínio ligado com a milícia do Rio, e morto na Bahia por uma operação policial em fevereiro desse ano.
Adriano da Nóbrega teria feito repasses que chegariam a R$ 400 mil para Queiroz.