Brasília (DF) — O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afastou, de forma cautelar, a juíza Maria do Socorro de Sousa Afonso da Silva, da Vara da Infância e Juventude de Goiás. A magistrada é acusada de ter impedido, por mais de cinco semanas, o direito de uma adolescente de 13 anos, vítima de estupro, de realizar um aborto legal.
Além disso, o CNJ abriu processo disciplinar para apurar a conduta da juíza, que, segundo o relatório, promoveu uma verdadeira “violência institucional” e “revitimização” da menor, ao protelar o procedimento previsto em lei.
Contudo, Maria do Socorro não é a única alvo da decisão: a desembargadora Doraci Lamar, responsável por suspender a autorização inicial para o aborto, sob a justificativa de “oposição paterna”, também será investigada. Entretanto, ela permanece no cargo até a conclusão do processo.
Caso chocou o país e escancarou falhas no Judiciário
De acordo com o CNJ, as decisões judiciais prolongaram desnecessariamente o sofrimento da menina, que expressou 14 vezes o desejo de interromper a gravidez. Mesmo assim, a juíza Maria do Socorro negou o aborto humanitário e determinou apenas um “parto antecipado” sem assistolia fetal — método que mantém o feto vivo, contrariando não apenas laudos médicos, mas também a vontade da adolescente.
O presidente do CNJ e também do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, classificou a conduta como “violência institucional”. A decisão destacou que a demora fez a gestação avançar da 20ª para a 22ª semana, o que limitou as opções médicas e impôs sofrimento adicional à vítima.
Relatório aponta convicções pessoais influenciando decisões
O relator do processo, ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ressaltou haver fortes indícios de que a juíza agiu guiada por convicções filosóficas ou religiosas. “Parece evidente que houve interferência de valores pessoais no juízo de valor, comprometendo a imparcialidade que se exige da magistratura”, escreveu.
No caso da desembargadora Doraci Lamar, o relatório apontou que a suspensão do procedimento foi embasada de forma genérica na discordância do pai da menor e na alegação de que não havia risco iminente de morte para a gestante. Para o relator, trata-se de uma tentativa de “provocar a continuação forçada da gravidez”, contrariando o direito da adolescente.
Decisões judiciais ignoraram a jovem como sujeito de direitos
Para Campbell, as magistradas agiram de maneira a “invisibilizar” a adolescente, desconsiderando-a como sujeito de direitos. “A decisão parece ignorar que o pedido de aborto havia sido feito justamente pela contraposição dos interesses do pai e da jovem”, destacou.
Além disso, o relator enfatizou que a atuação judicial configura “violência de gênero pela negação ou atraso do aborto seguro”, violando preceitos legais e éticos estabelecidos pela legislação brasileira e por convenções internacionais de proteção aos direitos humanos.
Processo disciplinar vai apurar responsabilidades
Agora, tanto Maria do Socorro quanto Doraci Lamar responderão a processos administrativos disciplinares. O afastamento da juíza visa impedir que ela influencie a apuração dos fatos enquanto as investigações seguem em curso.
O caso reacende o debate sobre a necessidade de maior capacitação dos magistrados para lidar com temas sensíveis relacionados a violência sexual, direitos reprodutivos e garantias legais de crianças e adolescentes.