
Um relatório inédito da Transparência Brasil revelou que, em 2025, um esquema de repasses de R$ 8,5 bilhões em emendas parlamentares paralelas foi articulado entre o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. A entidade classifica a prática como uma “nova versão” do antigo orçamento secreto, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ferir os princípios constitucionais da transparência e impessoalidade.
Segundo a organização, essa manobra representa um grave atentado à democracia, promovendo “violação da separação de Poderes” e escancarando a captura do orçamento público para fins político-eleitorais.
O que são as “emendas paralelas” e por que preocupam?
Diferentemente das tradicionais emendas impositivas — obrigatórias e rastreáveis —, essas emendas foram camufladas sob os códigos RP 2 (despesas do Executivo) e RP 3 (ligadas ao PAC), desviando-se da obrigatoriedade de transparência. A manobra, segundo o relatório, foi viabilizada por um acordo entre Congresso e Planalto, mediado pela ministra Gleisi Hoffmann, que garantiu aos parlamentares controle sobre a verba sem a necessidade de cumprir os requisitos de publicidade exigidos pelo STF.
O relator do Orçamento, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), aprovou 335 emendas que somam R$ 20 bilhões. Entretanto, apenas 57% (R$ 11,5 bilhões) receberam a classificação oficial de RP 8 — categoria que exige rastreabilidade. O restante, mais de R$ 8,5 bilhões, foi desviado para as classificações que burlam as exigências de transparência.
“Orçamento secreto 2.0”: o retorno velado
Para a Transparência Brasil, a criação dessas emendas representa uma resposta à proibição do orçamento secreto, que vigorou entre 2020 e 2022, e foi considerado inconstitucional pelo STF. “O Congresso e o Executivo fingem cumprir as decisões do Supremo, mas criam, na prática, um modelo paralelo que perpetua a lógica clientelista e fere a democracia”, denuncia o relatório.
Além disso, a entidade destaca que, sob esse modelo, recursos públicos podem ser direcionados de forma pouco transparente, favorecendo aliados e interesses eleitorais, sem qualquer alinhamento com o planejamento estratégico nacional.
Quem são os maiores beneficiados?
O levantamento aponta que o maior beneficiado foi o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que controlará R$ 5 bilhões — valor superior ao que as comissões do Senado receberam em emendas formais (R$ 3,8 bilhões). Já o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), terá sob seu guarda-chuva R$ 2,9 bilhões adicionais em emendas não impositivas.
Em termos partidários, o maior avanço foi do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, que agora comanda um total de R$ 7 bilhões em emendas — crescimento de 43% em relação ao ano anterior. O MDB, por sua vez, foi agraciado com mais R$ 3,8 bilhões, dos quais R$ 3 bilhões são específicos para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Enquanto isso, o PT, partido do presidente Lula, que comanda seis comissões, ficará com uma fatia irrisória de R$ 168 milhões, exclusivamente em emendas RP 2.
“Um esquema de alto risco”, alerta Transparência Brasil
A entidade ressalta o “alto risco” de uso político-eleitoreiro dessas emendas, destacando que, na prática, o Executivo acaba subordinado ao Legislativo na execução de despesas, ferindo gravemente a divisão de poderes.
“É nesse momento obscuro, fora dos holofotes, que se define o destino final do recurso, favorecendo interesses paroquiais e perpetuando práticas patrimonialistas”, afirma o relatório.
A Transparência Brasil também critica a ausência de dados públicos no Portal da Transparência e no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), criando um verdadeiro buraco informacional que impede o controle social.
Pressão por mais transparência
A entidade cobra que o governo federal adote imediatamente medidas para garantir a rastreabilidade das emendas, como a criação de identificadores únicos e a ampla publicidade de todos os repasses, conforme determina a Constituição.

“Se não houver uma ação concreta para regular essas emendas, estaremos diante de uma nova era de desvio institucionalizado de recursos, em prejuízo da democracia e do interesse público”, alerta.
O que diz o governo?
Até o momento, o governo federal não se pronunciou oficialmente sobre o relatório. Entretanto, fontes internas indicam que o Planalto considera a prática uma “solução política” para garantir a governabilidade, especialmente frente à fragmentação partidária e à pressão de lideranças do Centrão.