Áudios revelam propina para liberar 10 toneladas de maconha com envolvimento de policiais e advogados

Foto: Reprodução / TV Globo

Investigação da Polícia Federal expõe esquema criminoso com participação de agentes da Polícia Civil, Polícia Militar e advogados para liberar carga milionária de drogas. Parte dos acusados está em liberdade.

Em um dos episódios mais escandalosos da segurança pública recente, áudios obtidos com exclusividade pelo Fantástico revelam a operação criminosa por trás da liberação de um caminhão com 10 toneladas de maconha no Rio de Janeiro. A droga, supostamente destinada ao Comando Vermelho, foi apreendida e depois liberada mediante o pagamento de propina a agentes da Polícia Civil.

Segundo as investigações, o entorpecente saiu do Mato Grosso do Sul rumo ao Rio, camuflado sob uma nota fiscal de frango congelado. No entanto, o conteúdo da carga era bem diferente.

“Os polícia tão pedindo dois milhão pra soltar a mercadoria. Eles querem dar um milhão e meio”, disse em áudio Lucinara Koerich, esposa de Carlos Koerich, um dos traficantes envolvidos na operação.

Propina, encenação e omissão

O caminhão foi inicialmente interceptado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), enquanto era escoltado por viaturas da própria Polícia Civil do RJ. O caso tomou outro rumo quando, ao invés de formalizar a apreensão, os policiais iniciaram uma negociação. A manobra permitiu que o veículo seguisse até o Complexo do Alemão, onde a carga foi entregue.

De acordo com o delegado Pedro Duran, da Polícia Federal, os próprios policiais civis usaram o celular do motorista para articular o pagamento com advogados da facção criminosa.

Um dos trechos mais reveladores dos áudios mostra Carlos Koerich relatando à esposa:
“Tô no maior desenrole com o cana aqui, amor. Pegaram o caminhão ali na Serra das Araras.”

Participação de advogados e esquema antigo

A PF identificou os advogados Leonardo Galvão e Jackson da Fonseca como os intermediadores do suborno. O acordo previa que eles ficariam com 10% da propina. No entanto, Jackson reclama em áudio que o combinado não foi cumprido:
“Chega na hora, os caras levaram tudo, mano. A gente que agilizou tudo. Tem consideração nenhuma pelo colega.”

Para oficializar a liberação, o policial civil Deyvid da Silveira escreveu à mão um relatório, afirmando que “nada foi encontrado” e que o motorista foi liberado.

“A carga efetivamente chegou ao destino, mediante o pagamento desse valor, e abasteceu as comunidades da região”, afirmou o delegado Duran.

Segundo flagrante e reviravolta

Após a entrega, o caminhão voltou ao Sul, mas foi parado novamente. Dessa vez, a PRF encontrou vestígios de maconha suficientes para comprovar, por meio de perícia, que a carga era entorpecente. Esse laudo técnico foi o que possibilitou seguir com parte das acusações.

Prisões, solturas e grupo secreto

Foram presos:

  • Cinco policiais civis: Juan Felipe Alves, Renan Guimarães, Alexandre Amazonas, Eduardo de Carvalho e Deyvid da Silveira;

  • O policial militar Laercio de Souza Filho;

  • Os advogados Leonardo Galvão e Jackson da Fonseca.

Apesar disso, todos — com exceção de Jackson — foram soltos por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou que não havia provas de tráfico, já que o caminhão foi flagrado sem droga no momento da prisão. Eles seguem respondendo em liberdade, apenas por corrupção.

Já Carlos Koerich, Lucinara Koerich e Marcelo Bertoldo continuam presos, respondendo por tráfico de drogas e organização criminosa.

Durante as apurações, a PF descobriu que os agentes civis participavam de um grupo secreto no WhatsApp, batizado de “Mente de um Vilão”, onde discutiam esquemas de corrupção e tráfico desde 2020.

Em um dos áudios, o agente Juan Felipe afirma:
“A gente pode beliscar alguma coisa… arruma umas nota fiscal, entendeu? Vai ganhando e amenizando nossa dor.”

Impacto e reações

A Corregedoria da Polícia Civil informou que os servidores estão afastados e respondem a processos administrativos que podem levar à demissão.

“A gente respeita muito o trabalho da polícia, mas lamenta a ousadia de quem, em vez de combater o tráfico, se associa a ele”, declarou o delegado Duran.

“A sociedade deve confiar na polícia, mas ações como essa abalam a credibilidade do Estado”, reforçou o promotor Fabiano Oliveira.

As defesas de alguns dos acusados foram procuradas, mas, até o momento, a maioria preferiu não se manifestar.