Com guerra na Europa no horizonte, Otan traça planos sem os EUA e projeta confronto direto com a Rússia até 2030

Caças Eurofighter Typhoon britânicos participam, com sinalizações de forças inimigas falsas, de exercício militar sobre o mar do Norte, em abril deste ano - Sem van der Wal - 2.abr.2025/AFP

A possibilidade de uma guerra entre a Otan e a Rússia já deixou de ser apenas uma especulação estratégica — e virou um cenário de planejamento real dentro da aliança militar do Ocidente. Ao completar 75 anos, em meio à guerra na Ucrânia e ao risco de instabilidade global, a Otan se reúne nesta terça (25) e quarta (26), na Holanda, para discutir gastos militares históricos e os riscos de enfrentar Moscou sem o apoio confiável dos Estados Unidos.

O encontro ocorre em Haia, berço do novo secretário-geral da aliança, Mark Rutte, e sob a sombra de um mundo em ebulição. Embora a crise entre EUA, Israel e Irã também cause alarme, o foco principal dos europeus é outro: preparar-se para uma guerra direta com a Rússia, mesmo sem Washington.

Trump na equação e o dilema da Otan

O temor de uma guinada isolacionista sob um eventual segundo mandato de Donald Trump levou os líderes europeus a repensarem suas estratégias. O ex-presidente já sinalizou desinteresse em manter o artigo 5º — o coração da Otan, que prevê defesa mútua em caso de ataque a um dos membros. Isso acendeu um alerta especialmente forte entre os países do leste europeu, que se sentem na linha de frente de um possível confronto.

Alemanha, Reino Unido e Dinamarca já publicaram documentos oficiais prevendo guerra com a Rússia até 2030. Ao mesmo tempo, o Kremlin amplia sua máquina bélica: aumentou seu efetivo para 1,5 milhão de soldados, posicionou armas nucleares na Belarus e multiplicou alertas sobre seu arsenal atômico modernizado.

Nova corrida armamentista: Europa acelera reações

Do lado europeu, a resposta tem sido rápida — e cara. A proposta de Rutte de elevar os gastos militares para 5% do PIB vem sendo debatida com intensidade, embora encontre resistências, como a da Espanha. A proposta inclui 3,5% em defesa direta e 1,5% em infraestrutura militar.

A União Europeia também entrou no jogo: anunciou um megapacote de R$ 5 trilhões para reforçar o setor de defesa ao longo dos próximos anos. A meta da Otan é aumentar em 50% suas forças terrestres de resposta rápida e quadruplicar as capacidades aéreas e antimísseis.

Com isso, a indústria bélica vive um boom: as ações das 600 maiores empresas de defesa da Europa subiram 44% em um ano.

O medo de um novo gatilho

Relatórios internos revelam que a Otan já não discute mais “se” haverá uma guerra com a Rússia, mas “quando”. Entre os riscos mais temidos está o famoso corredor de Suwalki, região entre a Lituânia e a Polônia, que separa o território russo de Kaliningrado da aliada Belarus. Um ataque ali poderia isolar os países bálticos e desencadear uma resposta em cadeia.

“É uma receita para o desastre. Um único erro de cálculo, um disparo acidental, pode desencadear algo catastrófico”, alerta o analista russo Micha Barabanov.

Sem os EUA, com a França?

Sem garantias americanas, países da Europa já consideram alternativas nucleares internas. Um almirante da Otan propôs, em reunião recente, que a França posicione caças Rafale com mísseis nucleares na Alemanha, mirando Moscou. A proposta ainda divide opiniões.

Enquanto isso, exercícios militares aumentam. No mês passado, a Suécia — recém-integrada à Otan — participou de simulações de defesa ativa na estratégica ilha de Gotland, no mar Báltico. O número de interceptações militares na região subiu 30% desde o início do ano.

O legado de Putin e a economia da guerra

Com quase 7% do PIB russo dedicado à defesa, Vladimir Putin está transformando a Rússia em uma economia de guerra. Mas analistas alertam: esse modelo pode não ser sustentável a longo prazo. “Quando os cartões de crédito ocidentais voltarem a funcionar, o apetite bélico vai diminuir”, ironiza Barabanov.

Por outro lado, especialistas como Fabian Hoffman, da Universidade de Oslo, dizem que a elite russa sabe que perderia uma guerra convencional total com a Otan. O risco, nesse caso, seria apostar em um ataque relâmpago nuclear tático para tentar forçar um cessar-fogo precoce.

Um novo mapa militar está em jogo

O que antes era tratado como uma possibilidade remota agora é uma realidade estratégica dentro da Otan. O planejamento de uma possível guerra com a Rússia está em pleno andamento, e o fator Trump — com sua postura volátil — pode ser o gatilho definitivo para redefinir a geopolítica do século 21.

A era do pós-Guerra Fria acabou. O que está em jogo agora é um novo equilíbrio — com gastos bilionários, risco nuclear e alianças repensadas.