
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que amplia a responsabilidade das big techs pela disseminação de conteúdos ilícitos reacendeu alertas diplomáticos: o Marco Civil da Internet pode escalar em um novo ponto de atrito entre o Brasil e os Estados Unidos.
Segundo integrantes do governo brasileiro, a regulação das plataformas digitais deixou de ser apenas uma pauta doméstica. Agora, ela passa a influenciar diretamente as relações com Washington, especialmente diante das investigações que envolvem empresas norte-americanas como o X (antigo Twitter) e o Google.
O Brasil enxerga com preocupação qualquer movimento por parte dos EUA que possa tentar inibir a atuação da Justiça brasileira sobre empresas de tecnologia que operam no país. Autoridades do Palácio do Planalto e do Itamaraty já definiram como “linha vermelha” qualquer tentativa de pressão internacional contra ministros do STF por decisões que envolvem as plataformas.
Além disso, o governo deixou claro que considera “inaceitável” qualquer forma de sanção contra autoridades brasileiras por conta da regulação digital, interpretando esse tipo de medida como um ataque à soberania nacional.
Pressão bilateral em ano eleitoral
A tensão surge em um cenário delicado: tanto Brasil quanto Estados Unidos se preparam para eleições em 2026. Em Brasília, há temor de que empresas sediadas nos EUA possam repetir comportamentos de ciclos anteriores, com a disseminação de desinformação em massa, ataques coordenados a instituições democráticas e impulsionamento de conteúdos golpistas.
Com a decisão do STF que flexibiliza o artigo 19 do Marco Civil da Internet — exigindo que plataformas removam, de forma proativa, conteúdos ligados a crimes como terrorismo, discurso de ódio e ataques à democracia —, o país assume uma postura mais incisiva no enfrentamento à desinformação. Para os EUA, no entanto, essa regulação pode ser interpretada como censura, o que alimenta tensões diplomáticas, especialmente no ambiente polarizado atual.
Diplomacia digital sob pressão
Internamente, o governo Lula acredita que qualquer interferência dos EUA será utilizada como munição política pela extrema direita brasileira, o que eleva o custo de uma crise diplomática. Por isso, interlocutores do Executivo têm alertado Washington: não haverá recuo na regulação de conteúdo em nome da estabilidade das relações bilaterais.
Além disso, o Itamaraty avalia que a nova postura brasileira poderá influenciar outros países da América Latina a adotar mecanismos semelhantes. Nesse contexto, o Marco Civil da Internet — já considerado um modelo internacional de legislação digital — se consolida como uma fronteira estratégica não só para os direitos civis na internet, mas também para a soberania regulatória dos países do Sul Global.