Bolsonaro reclama da PF em reunião, cita ‘família’ e diz que vai ‘interferir’

Poder 360

A AGU (Advocacia Geral da União) entregou nesta 5ª feira (14.mai.2020) a transcrição de declarações do presidente Jair Bolsonaro durante a reunião ministerial de 22 de abril.  Em depoimento, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro acusa o presidente Jair Bolsonaro de ter sinalizado, durante o encontro, sua intenção de interferir politicamente na PF (Polícia Federal).

O órgão defende que sejam divulgadas apenas as falas do chefe do Executivo federal e não a dos demais integrantes da reunião. Eis a íntegra (206 kb) da manifestação, divulgada pela Band News.

A própria AGU, no início do despacho enviado à Suprema Corte, destaca, em negrito, que as falas contidas no documento têm caráter “preliminar”, separadas pela sequência da reunião.

“Em verdade, de pronto, o seguinte esclarecimento preliminar é essencial: as declarações presidenciais com alguma pertinência NÃO estão no mesmo contexto, muitíssimo pelo contrário: estão elas temporal e radicalmente afastadas na própria sequência cronológica da reunião”.

Na reunião, Bolsonaro reclama da PF e de serviços de inteligência. O presidente se diz surpreso com a veiculação de notícias nos jornais que ele mesmo não sabia já que, segundo ele, a Polícia Federal não lhe dá informações.

Eis a afirmação do presidente na íntegra: “Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações; a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente… temos problemas… aparelhamento, etc. A gente não pode viver sem informação. Quem é que nunca ficou atrás da… da… da.. porta ouvindo o que o seu filho ou sua filha tá comentando? Tem que ver pra depois… depois que ela engravida não adianta falar com ela mais. Tem que ver antes. Depois que o moleque encheu os cornos de droga, não adianta mais falar com ele: já era. E informação é assim. [referências a Nações amigas]. Então essa é a preocupação que temos que ter: a “questão estratégia”. E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso – todos – é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá pra trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade”. 

A transcrição mostra que o presidente Jair Bolsonaro disse que não iria esperar “foderem” alguém de sua família ou 1 amigo para trocar o comando da PF no Rio de Janeiro. “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar foderem minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe , troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”, declarou.

A petição revela que Bolsonaro usou a palavra “PF” durante a reunião, algo que havia sido negado pelo próprio presidente na 3ª feira (12.mai.2020).

“SEGURANÇA NOSSA”

No documento, a AGU afirma que o termo “segurança nossa”, utilizado pelo presidente na fala sobre troca no comando da PF fluminense, “ainda que sem adiantar juízo de valor”, está relacionada à segurança do presidente da República, que cabe ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

A pasta ressalta, também, que nesse ponto Bolsonaro, “em nenhum momento, menciona ou refere-se, direta ou indiretamente, a ‘superintendente’, ‘diretor-geral’ ou ‘Polícia Federal’”.

A defesa da União completa:“É literal e objetivamente equivocado afirmar que o presidente da República teria admitido ‘no mesmo contexto sua insatisfação com a informação e no que ele denomina relatórios de inteligência da PF’. Se houve manifestação de alguma insatisfação, ocorreu ela muito antes, em contexto completamente diverso, de modo meramente exemplificativo, rigorosamente genérico, tanto que aquela outra fala, cinquenta minutos antes, em seu contexto próprio, é concluída do seguinte modo: ‘serviço de informação nosso –todos– é uma vergonha.”

DEFESA DE MORO RESPONDE

Em nota, a defesa do ex-ministro Sergio Moro disse que foi surpreendida com a petição da AGU em nome do presidente da República para tornar público somente trechos que envolvem o ex-juiz. Afirma que a petição contém trechos literais, mas “com omissão de contexto”.

Eis a íntegra da nota:

“Sérgio Moro e seus advogados foram surpreendidos com a petição da AGU, em favor do presidente da República, no inquérito junto ao STF. A transcrição parcial revela disparidade de armas, pois demonstra que a AGU tem acesso ao vídeo, enquanto a defesa de Sérgio Moro não tem. A petição contém transcrições literais de trechos das declarações do Presidente, mas com omissão do contexto e de trechos relevantes para a adequada compreensão do que ocorreu na reunião –inclusive, na parte da “segurança do RJ”, do trecho imediatamente precedente. De todo modo, mesmo o trecho literal, comparado com fatos posteriores, como a demissão do diretor-geral da PF, a troca do superintendente da PF e a exoneração do ministro da Justiça, confirma que as referências diziam respeito à PF e não ao GSI. A transcrição parcial busca apenas reforçar a tese da defesa do presidente, mas reforça a necessidade urgente de liberação do vídeo na íntegra.

Rodrigo Rios, advogado de Sérgio Moro”