Sonho americano se transforma em pesadelo para casal conservador de Rondônia após deportação humilhante nos EUA
Em janeiro de 2025, Rafael* e Soraia*, evangélicos e conservadores de Presidente Médici (RO), celebravam a volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos com esperança e fervor. Imigrantes indocumentados, o casal acreditava que o republicano protegeria famílias “de bem”, fortaleceria o combate ao crime e criaria estabilidade para trabalhadores como eles — mesmo fora do status legal.
No entanto, essa visão desmoronou de forma brutal. Em abril, agentes do ICE (Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA) armaram uma emboscada ao convocá-los para uma suposta reunião sobre seu processo migratório. Ao chegarem, tiveram os celulares confiscados. Menos de 48 horas depois, Rafael, Soraia e o filho de quatro anos estavam em um avião rumo ao Brasil — sem tempo para sequer pegar seus pertences ou se despedir da vida que haviam construído.
Hoje, vivem apertados em um quarto na casa da sogra de Rafael, sustentados pela aposentadoria do pai dele. Uma realidade que contrasta com os dias em que Rafael, então trabalhador da construção civil na Flórida, ganhava cerca de US$ 200 por dia. Desde a deportação, segundo Soraia, o marido “anda calado pelos cantos” e evita falar sobre o assunto. “Ele não é de chorar, mas desde que voltamos, se fechou por completo”, desabafa.
Deportação agravou saúde e causou crise emocional
A situação de Soraia é ainda mais delicada. Portadora de uma doença autoimune rara, ela vinha sendo tratada com um medicamento experimental nos EUA — agora inacessível. Ao procurar atendimento no sistema público de saúde de Presidente Médici, foi atendida por uma médica que precisou consultar a Classificação Internacional de Doenças (CID) para entender o caso. Atualmente, aguarda vaga com um especialista via SUS, sem previsão de atendimento.
Mesmo sendo monitorado com tornozeleira eletrônica, Rafael mantinha a crença de que a cooperação com as autoridades era o melhor caminho. O casal chegou a cogitar mudar de estado, mas preferiu acreditar no diálogo com o governo. “Se soubéssemos o que viria, teríamos fugido. Teríamos arrancado a tornozeleira e sumido”, lamenta Soraia.
Política migratória endurece e frustra brasileiros que apoiaram Trump
O caso do casal não é isolado. Desde que Trump reassumiu a presidência, as deportações de brasileiros indocumentados se intensificaram. Estima-se que mais de 230 mil brasileiros vivam de forma irregular nos EUA. Muitos, assim como Rafael e Soraia, apoiaram o ex-presidente acreditando em promessas de ordem, sem imaginar que seriam atingidos pelas próprias políticas que defenderam.
Segundo Vinicius Rosa, diretor da consultoria Legacy Imigra, especializada em assessoria a imigrantes, a decepção é generalizada. “Cerca de quatro em cada cinco clientes brasileiros votaram no Trump. Hoje, estão em choque. O brasileiro se enxerga como honesto, mas entrou de forma desonesta e pagou pra ver”, afirma.
Desde o início do ano, as operações do ICE triplicaram. Voos com deportados têm chegado ao Brasil a cada quinze dias, superando os números registrados no governo Biden. A nova ofensiva tem apoio de forças policiais locais e, em alguns casos, até de militares.
Do “ano profético” à súplica por sobrevivência
Pouco antes da deportação, Soraia publicou uma foto da família vestindo camisetas com os dizeres “2025, ano profético”. Hoje, no status do WhatsApp, a legenda é outra: “Senhor meu Deus, não desista de mim”.
Com uma dívida estimada em R$ 50 mil com o coiote que facilitou a travessia ilegal pela fronteira entre México e Estados Unidos, a família tenta reconstruir a vida no Brasil. Procuram emprego, dependem de ajuda familiar e enfrentam a dura realidade de um sonho destruído.
Do apoio a Trump à deportação: o preço pago por acreditar
A história de Rafael e Soraia evidencia o paradoxo vivido por muitos brasileiros nos EUA: apoiar um governo que, na prática, os vê como ameaça. A retórica de Trump, marcada pela criminalização da imigração ilegal, tornou-se política de Estado — e os efeitos são cada vez mais visíveis.
Como resume um brasileiro indocumentado em Massachusetts: “Ele só está cumprindo o que prometeu. Mas ninguém acreditava que ia chegar nesse nível”.