Com apoio de Bolsonaro, Lira é eleito presidente da Câmara

Foto: Dida Sampaio / Estadão
Líder do Centrão obtém 302 votos e derrota candidato de Rodrigo Maia, Baleia Rossi

Apoiado pelo Palácio do Planalto, o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) foi eleito nesta segunda-feira, 1.º, presidente da Câmara para o período 2021-2023, com 302 votos, após uma disputa marcada por traições, recuos e denúncias de compra de votos. A escolha de Lira representa a vitória do Centrão, grupo de partidos conhecido pela prática do ‘toma lá, dá cá’, e um novo capítulo para o governo de Jair Bolsonaro, que aposta em uma agenda mais conservadora do que liberal para conquistar novo mandato.

A eleição do líder do Centrão para o comando da Câmara e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) à presidência do Senado também muda a correlação de forças políticas para a disputa de 2022. Após quatro anos e sete meses à frente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) sofreu uma derrota política ao não conseguir eleger Baleia Rossi (MDB-SP) como sucessor e ver o DEM, seu partido, se reaproximar do presidente. Baleia obteve 145 votos.

Em seu discurso de despedida, Maia chorou. “A partir desta eleição, o passado ficou para trás e nós precisaremos, unidos – eu na planície, no plenário, com muito orgulho – com cada um de vocês, construir o futuro do Brasil. Não pelos próximos dois anos, mas para os próximos 20 anos”, disse ele, ao tirar a máscara de proteção para enxugar as lágrimas.

O desfecho da queda de braço na Câmara ameaça deixar cicatrizes no projeto de uma frente ampla de partidos, articulada por Maia e da qual o DEM fazia parte, na tentativa de derrotar Bolsonaro. O presidente quer ver o Congresso investindo na agenda de costumes e na pauta armamentista. De acordo com seus auxiliares, ele está muito mais interessado nesses temas do que em privatizações e reforma administrativa. Lira e Pacheco também se comprometeram a barrar a criação de uma CPI para investigar falhas na condução da crise de covid-19.

Pouco após o resultado ser anunciado, Bolsonaro postou no Twitter uma imagem em que aperta a mão de Lira, tendo o ministro Onyx Lorenzoni, da Cidadania, ao fundo.

Na Câmara, a votação desta segunda-feira, 1.º, ocorreu em clima tenso. Ao ocupar a tribuna da direita, antes de proclamado o resultado, Lira mandou recados a Maia, que estava a poucos metros de distância. “Por favor, olhem para a cadeira da presidência. Por acaso há aí um trono?”, provocou o candidato do Progressistas, insinuando que Maia se comportava como imperador. O trecho foi incluído de improviso no discurso pronto. “A Câmara não pode continuar sendo a Câmara do ‘eu’. Tem de ser a Câmara do ‘nós’, insistiu ele.

Baleia, por sua vez, destacou reportagens do Estadão, mostrando que o governo interferiu na disputa do Congresso ao liberar, no fim de dezembro, R$ 3 bilhões em recursos “extras” do Ministério do Desenvolvimento Regional para 250 deputados e 35 senadores destinarem a obras em seus redutos eleitorais. Presidente do MDB, Baleia disse que isso ocorria enquanto muitos estavam atrás de verbas para os municípios, “com o pires na mão”, e dinheiro para a saúde.

“Que país é esse que não se sensibiliza com 220 mil mortes?”, perguntou Baleia, que ocupou a tribuna da esquerda. Filiada ao PSOL, a deputada Luiza Erundina (SP) classificou como “revoltante” o que chamou de “sangria” do dinheiro público, com a interferência do Planalto na eleição do Congresso. “Estarrecidos, acabamos de saber da enxurrada de bilhões de reais para regar as hostes dos deputados eleitores dos dois candidatos declaradamente governistas”, criticou Erundina.

Tensão

No plenário, os candidatos pregaram a união e a harmonia. Cinco horas antes, Maia e Lira haviam discutido aos gritos em uma reunião de líderes. O estopim do bate boca foi o fato de o PT ter alegado problemas técnicos para registrar apoio ao bloco de Baleia no sistema da Câmara, o que fez o partido perder o prazo de inscrição, que se encerrava ao meio-dia.

“É só uma questão de coerência temporal. Todos cumpriram o prazo, menos o PT”, protestou Lira, sem querer reabrir o prazo para registro do bloco adversário. Diante dos protestos do candidato do Progressistas, Maia respondeu: “Eu sou presidente da Câmara hoje. Eu decido. Amanhã você pode decidir”.

Nervoso, Lira bateu a mão na mesa. “Vossa Excelência está atropelando”, reclamou. Maia cobrou respeito: “Você não está em Alagoas. Não bata na mesa”. O candidato do Progressistas manteve o tom de desafio: “E você não está no morro do Rio de Janeiro. Você acha que é o valentão, o dono do Brasil”.

Após muita discussão, o bloco de apoio a Baleia foi registrado com o PT. Mesmo assim, o deputado perdeu a eleição. O DEM já havia desembarcado da candidatura e o PSDB e o Solidariedade, embora tenham se mantido formalmente ao lado de Baleia, após idas e vindas, na prática também se dividiram.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador de São Paulo, João Doria, atuaram para barrar a debandada dos tucanos, muitos deles já fechados com Lira. O deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) renunciou na última hora à candidatura lançada de forma avulsa e anunciou voto em Baleia. Erundina, Fábio Ramalho (MDB-MG), Marcel van Hattem (Novo-RS), General Peternelli (PSL-SP), André Janones (Avante-MG) e Kim Kataguiri (DEM-SP), porém, se mantiveram na disputa.

Na noite de domingo, ao ser informado pelo presidente do DEM, ACM Neto, de que a maioria dos deputados do partido estava com Lira, Maia não conteve a irritação. Ameaçou autorizar um pedido de impeachment contra Bolsonaro como último ato à frente da Câmara e até mesmo deixar o DEM, que, na sua avaliação, virou o “partido da boquinha”, apelido dado ao PT pelo ex-governador do Rio Anthony Garotinho. Da pilha de mais de 60 pedidos de afastamento do presidente protocolados na Câmara, há 59 ativos.

“Não posso ficar em um partido que se aliou a Bolsonaro”, disse Maia, ainda na noite de domingo. “Tudo o que fizemos foi para evitar mais ruídos e preservar a vontade da maioria”, respondeu o líder da bancada do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB).

Até agora, ninguém sabe se Maia cumprirá a promessa de deixar o partido ou se o que disse foi apenas uma ameaça feita no calor da hora, como a de autorizar o impeachment de Bolsonaro.