Senadores esperam que depoimento fortaleça tese de que Bolsonaro tinha estrutura de especialistas fora do Ministério da Saúde
Defensora da prescrição de cloroquina para pacientes com covid-19, a oncologista e imunologista Nise Yamaguchi será questionada, nesta terça-feira, dia 1º, na CPI da Covid, sobre a existência de uma espécie de “gabinete paralelo” no comando das ações de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.
Com extenso currículo no campo da oncologia clínica, a médica surpreendeu colegas, há pouco mais de um ano, com sua postura pró-cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra o coronavírus, capaz de provocar efeitos colaterais adversos. Próxima de Jair Bolsonaro, ela chegou a ser cotada para assumir o Ministério da Saúde. O presidente é um entusiasta do chamado tratamento precoce com o uso do remédio, indicado para malária e amebíase, entre outras doenças.
Curriculo de Nise Yamaguchi
Formada em Medicina pela Universidade de São Paulo em 1982, ela completou a residência em em Imunologia no Hospital das Clínicas em 1988 e depois realizou diversos cursos no exterior que lhe conferiram um viés humanista nos atendimentos, característica pela qual é conhecida. Ela não possui especialização em infectologia.
“A dra. Nise não foi chamada como especialista, mas como testemunha, uma vez que ela tem participação em diversas reuniões daquilo que está sendo chamado de ‘gabinete paralelo’ da Saúde. Inclusive reuniões com a presença do próprio presidente”, afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) ao Estadão. “Ela pode reportar como essas reuniões transcorriam, quais eram os temas, quem organizava e eventualmente financiava esses encontros”, acrescentou.
O depoimento de Nise foi requerido pelos senadores Marcos Rogério (DEM-RO) e Eduardo Girão (Podemos-CE), aliados do governo, e tornou-se inevitável especialmente depois que ela foi mencionada pelo diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, na sessão da CPI do último dia 11. Segundo ele, Nise defendeu a alteração da bula da cloroquina, de modo a indicar o medicamento como tratamento para covid-19. A mudança seria feita por decreto presidencial, mas Barra Torres se negou a acatar a demanda que contrariava as normas da Anvisa.
A bula da cloroquina
Atualmente, a bula da cloroquina cita que o remédio é indicado para caso “agudo de malária”, amebíase hepática, artrite reumatoide, lúpus, sarcoidose e doenças que provocam sensibilidade dos olhos à luz.
Barra Torres havia corroborado o depoimento do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta segundo o qual, havia – em uma reunião realizada no início da pandemia no Palácio do Planalto – um papel não timbrado de decreto presidencial que propunha a alteração da bula. “Esse documento foi comentado pela dra. Nise Yamaguchi, o que provocou uma reação confesso que até deseducada ou deselegante minha. Minha reação foi muito imediata de dizer que aquilo não poderia ser. Talvez não seja de conhecimento de vossas excelências: só quem pode modificar uma bula de um medicamento registrado é a agência reguladora daquele país, mas desde que solicitado pelo detentor do registro”, afirmou o diretor-presidente da Anvisa. Ele disse ainda que o laboratório que fabrica o remédio deve anexar um pesado dossiê de estudos comprovando que a substância em questão tem uma outra utilização além da originalmente conhecida, para que a agência autorize uma mudança de bula.