É grande a expectativa de mudança na equipe ministerial nos primeiros meses do ano. Eleição no Congresso e situação econômica são fatores imediatos, mas a conjugação de forças políticas para 2022 também entra nos cálculos do Planalto
Na tentativa de aglutinar apoio no Congresso e pavimentar o caminho para a reeleição, o presidente Jair Bolsonaro deverá mudar a cara da Esplanada. O presidente não conseguirá fugir de, ao menos, uma minireforma ministerial, já que é desejo do chefe do Executivo emplacar nomes no comando das duas Casas legislativas a partir de fevereiro de 2021, medida essencial para o governo levar à frente sua agenda nos últimos anos de mandato.
Embora negue a prática de distribuição de cargos do governo em troca de apoio político, Bolsonaro necessita do apoio do Centrão, que também faturou nas eleições municipais. As concessões de maior calibre e a questão da definição da base política do governo poderão ocorrer no começo de março, caso o candidato preferido do governo ao pleito, Arthur Lira (PP-AL), saia eleito na Câmara. Entre as pastas cobiçadas, estão as que possuem maiores orçamentos, como o Ministério da Saúde, chefiado por Eduardo Pazuello; o da Cidadania, de Onyx Lorenzoni e o da Educação, Milton Ribeiro.
Apesar de Bolsonaro já ter se adiantado, afirmando que não abrirá mão de Ernesto Araújo, no Itamaraty, e de Ricardo Salles, no Meio Ambiente, as pastas também estão na mira. A saída deles é vista como um sinal de diálogo à comunidade internacional, nas áreas ambientais e de política externa.
No mais alto escalão do governo, ainda se ventila, nos bastidores, a transferência do ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, para o posto da Secretaria-Geral da Presidência, com a ida de Jorge Oliveira para o TCU em janeiro. Já os ministérios de Paulo Guedes, Tereza Cristina, Tarcísio Freitas, Fernando Azevedo, General Augusto Heleno, Braga Netto, Fábio Faria e Rogério Marinho devem ficar de fora da barganha.
O pontapé na mudança dos ministérios foi dado no último dia 9, com a saída do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. Um desentendimento com Ramos adiantou sua partida. Apesar de Gilson Machado, ex-presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), ter sido nomeado para comandá-la, a pasta também pode entrar na dança das cadeiras no começo do próximo ano.
Questão econômica
No Congresso, o tema da reforma ministerial é levado em conta, mas com ponderações. Deputados e senadores favoráveis ao presidente da República destacam os bons resultados de Bolsonaro nas recentes pesquisas de opinião. Para eles, isso mostra que o chefe do Executivo ainda tem força para monopolizar a composição do governo. Com capacidade política de manobra, a expectativa é de que o time não mude, ou que ocorram apenas alterações pontuais. O principal problema é a incerteza econômica provocada pela pandemia de coronavírus, que pode alterar o cenário.
Há outras variáveis em consideração. A primeira delas é a eleição das mesas diretoras no Congresso, marcada para 1° de fevereiro. Após a definição de Baleia Rossi como candidato do grupo ligado a Rodrigo Maia, crítico do governo Bolsonaro, está intensa a negociação para assegurar o número de votos necessários e garantir a Presidência da Câmara. No Senado, a questão depende, neste momento, da definição do sucessor de Davi Alcolumbre (DEM-AP) — o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) é o preferido do presidente da Casa — e do candidato que surgirá do MDB, partido de maior bancada no Senado. Para assegurar a vitória de um aliado no Congresso, o Planalto pode abrir espaço na Esplanada dos Ministérios.
O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), está entre os que destacam que “não existe a obrigatoriedade de uma reforma ministerial”. Para ele, a população avalia de forma positiva a Presidência de Bolsonaro, “apesar do momento difícil que o Brasil está vivendo”. “Diferentemente do que muitos imaginam, apesar do momento, Jair Bolsonaro mantém índices favoráveis de aprovação. Então, é o presidente, cabe a ele fazer essa análise”, argumenta o parlamentar. Para o tocantinense, o desempenho da economia é que dará o peso para as mudanças.
Na avaliação do deputado Afonso Florence (PT-BA), vice-líder da minoria, o calcanhar de Aquiles do governo é a economia. Ele destaca que não há previsão de continuidade do auxílio emergencial, o que também trará dificuldades. Florence coloca como certa a necessidade de uma reforma que possa reorganizar o governo. Isso porque, segundo o deputado, mesmo bem avaliado, o governo deve perder tônus muscular nos primeiros meses do próximo ano. Ele afirma, ainda, que o Centrão tem espaços para ocupar e continuará a pressionar o Executivo.
“O Bolsonaro já tem uma sustentação parlamentar sólida com o Centrão. Mas, o Centrão não controla todos os cargos que pretende controlar. Todo mundo sabe disso. Sou dos que acham que Jair Bolsonaro precisa dessa base para governar. Senão, ele cai. A quantidade de crimes de responsabilidade que já cometeu e, agora com o problema das vacinas e das seringas, é delicada. E o Centrão vai cobrar caro esse apoio, essa blindagem”, avalia Florence. Para o parlamentar petista, os ministérios do Meio Ambiente, das Relações Exteriores e da Saúde são os mais suscetíveis a mudanças.
Arquitetura da reeleição
Vice-líder do bloco parlamentar PL, PP, PSD, Solidariedade e Avante, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) também está entre os que veem a reforma como provável. Assim como o petista Afonso Florence, ele vê a eleição para a Presidência da Câmara, principalmente, como fator que dará a tônica das mudanças. “O presidente vai tentar dar mais consistência política para o ministério dele. Isso significa ocupar espaços com lideranças de partidos. O DEM, que é oposição, tem dois ministérios, o da Agricultura e o da Cidadania. Mas, os partidos acusados de ‘bolsonaristas’ não têm esse espaço. O primeiro desafio do presidente, porém, quem quer que seja o próximo presidente da Câmara, é repactuar uma relação de harmonia. Isso é importante para o país. Todo mundo, no parlamento, fala em independência. Eu também. Mas, a Constituição também fala de harmonia. Hoje, os Poderes estão independentes, mas não estão harmônicos. Não precisamos de um Legislativo submisso, mas com capacidade de diálogo com o Executivo. E o inverso é verdadeiro”, destaca.
O cientista político da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Ricardo Ismael ressalta que a reforma ministerial dependerá do desfecho da eleição na Câmara. “Pensando no projeto de reeleição, Bolsonaro percebeu que não pode fazer a mesma estratégia de 2018, quando tinha discurso descolado do sistema político. Está mais dependente de buscar apoio de partidos na base do governo. A opção pelo Centrão deve permanecer até 2022”, destaca. O grande desafio, segundo Ismael, é construir uma reforma ministerial que garanta uma aliança forte com o Centrão até o final do mandato.
O Brasil quer crescer
Segundo o especialista da PUC-RJ, Bolsonaro poderá mudar de ideia quanto a Salles e Araújo, por enquanto prestigiados pelo chefe, apesar das duras críticas às pastas que comandam. “Ele fala, agora, que não vai tirar, mas existe um quadro novo em 2021. O Brasil quer crescer. Temos Biden tomando posse em janeiro. A situação é desfavorável para a agenda ambiental que o Brasil vinha impondo. O que sobra de Bolsonaro de 2018 é o discurso conservador, voltado para o público evangélico, armamentista. Para não jogar tudo fora, de resto, terá que repensar, ouvir o Centrão. Os partidos não partirão para o suicídio junto com ele. De última hora podem até apoiar Doria no segundo semestre de 2022. Os políticos vão fazer leitura. Se ele vier forte, ok. Mas, se tiver enfraquecido, podem mudar de lado”, avalia.
Para o cientista político Murillo Aragão, da Arko Advice Pesquisas, o chefe do Executivo vem construindo o presidencialismo de coalizão e tecendo conversas com presidentes dos partidos PP, PL, Republicanos e MDB há pelo menos nove meses. Como a eleição, é em 1º de fevereiro e, como o voto é secreto, os partidos não têm como impedir que seus filiados desobedeçam às suas diretrizes. Logo, Bolsonaro deverá esperar o resultado para mexer as peças do tabuleiro. “A reforma ministerial visa manter uma base no Congresso para os dois últimos anos do governo e deve ocorrer após a votação sobre a liderança da Casa. Essa reforma vai refletir o resultado dessas eleições”, aposta Aragão.
Ele analisa que as pastas de maior apelo são a da Saúde e da Educação. “O importante é olhar ministérios que têm repercussão política. Essa conversa com grandes partidos que integram o universo do centro político brasileiro é um processo que vem sendo construído. Não é novidade. O detonador foi o debate sobre o veto dos R$ 30 bilhões do Orçamento. Ali, ele viu que precisava construir base política”, aponta Aragão.
O analista acredita que Bolsonaro deverá ceder os cargos ministeriais com a intenção de construir a base política que necessita. No entanto, diz Aragão, resta saber os meios. “Como ele vai fazer? Vai trocar todo mundo? Uma parte? Recriar ministério? Desmembrar como já fez? A reforma começou quando Bolsonaro recriou o Ministério das Comunicações para Fábio Faria. Esse foi o marco zero. O marco um foi quando o presidente colocou Ricardo Barros (PP-PR) como líder do governo na Câmara”, argumenta.
“O que sobra de Bolsonaro de 2018 é o discurso conservador, voltado para o público evangélico, armamentista. Para não jogar tudo fora, terá que repensar, ouvir o Centrão”
Ricardo Ismael, cientista político da PUC-RJ