
A Diretoria de Benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), responsável pelo controle da folha de pagamentos que movimenta mais de R$ 1 trilhão ao ano, se consolidou como o epicentro do escândalo de fraudes em descontos associativos que sacudiu Brasília, derrubou autoridades e pode resultar na abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito).
Nos últimos anos, o setor estratégico do INSS passou a ser cobiçado por grupos políticos, em especial pelo Centrão, levando à substituição gradual de técnicos especializados por indicações políticas.
Como começou o esquema que abala a Previdência
Até 2016, o principal interesse político na Diretoria de Benefícios estava concentrado nos sindicatos rurais, representados pela Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura). Desde 1994, um acordo permitia que essas entidades realizassem os chamados descontos associativos diretamente nos benefícios dos filiados — sua principal fonte de receita, uma vez que, diferentemente dos sindicatos urbanos, não podiam descontar o imposto sindical.
Contudo, a partir de 2016, o número de acordos entre o INSS e entidades associativas disparou. Conafer (Confederação Nacional dos Agricultores Familiares), Ambec (Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos) e Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos) assinaram acordos entre 2017 e 2018. Hoje, todas são investigadas pela Polícia Federal.
Servidores tentaram conter avanço das fraudes
Diante do crescimento acelerado de entidades conveniadas e suspeitas de irregularidades, servidores da própria Diretoria de Benefícios soaram o alarme. Entre o final de 2018 e o início de 2019, nasceu a Medida Provisória 871, que buscava barrar fraudes. A proposta incluía a revalidação anual dos benefícios, dificultando descontos não autorizados e criando novas regras para aposentadorias de trabalhadores rurais — antes dependentes de uma declaração sindical, agora simplificadas para autodeclaração cruzada com bancos de dados oficiais.
Porém, o lobby político agiu rapidamente. Pelo menos 31 parlamentares, de 11 partidos, atuaram para impedir a aprovação integral da revalidação e impedir a efetivação do cruzamento de dados.
Pressão política e o avanço das fraudes
Apesar de iniciativas para romper acordos suspeitos — com quatro rescisões em 2019 e mais cinco em 2020 —, a pressão política sobre o INSS aumentou. A Conafer, uma das entidades mais influentes, chegou a movimentar R$ 6 milhões mensais via descontos associativos.
Quando a então diretora de Benefícios, Márcia Eliza de Souza, e posteriormente seu sucessor, Alessandro Ribeiro, interromperam acordos, a reação política foi imediata. Segundo relatos, o deputado Euclydes Pettersen (Republicanos-MG) atuou como principal articulador da Conafer junto ao INSS. Além disso, o atual presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), abrigou um diretor da entidade, Jeronimo Arlindo da Silva Junior, em seu gabinete. Ambos foram procurados, mas não se pronunciaram.
Explosão das fraudes e ocupação política da diretoria
A partir de 2021, a ocupação política se intensificou com a nomeação de José Carlos Oliveira (ligado ao PSD), que assumiu a Diretoria de Benefícios, então fundida com a de Atendimento. Sob sua gestão, os acordos dispararam: de apenas 2 em 2020 para 15 em 2022. Paralelamente, a arrecadação com descontos associativos mais que dobrou, saltando de R$ 510 milhões para impressionantes R$ 1,3 bilhão em 2023.
Com a pandemia da Covid-19, o ambiente ficou ainda mais vulnerável a fraudes, favorecendo o avanço de práticas irregulares.
Nova gestão, velhos problemas
A eleição do presidente Lula (PT) em 2022 não freou a crise. A Diretoria de Benefícios passou a ser comandada por André Fidelis, mais uma indicação do Centrão. Ele acabou exonerado no primeiro semestre de 2024, após ser acusado de atrasar uma auditoria interna sobre as irregularidades. Seu substituto, Vanderlei Barbosa, também foi afastado após a deflagração da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal.
A investigação revelou que, apesar das tentativas de controle e das mudanças de governo, o esquema de fraudes foi aperfeiçoado e expandido, transformando o INSS em um caso emblemático de como aparelhamento político pode impactar diretamente a gestão de políticas públicas.
O que pode acontecer agora?
Com a crise atingindo o coração da Previdência Social, cresce a pressão no Congresso para a instalação de uma CPI do INSS, que pode aprofundar as investigações e revelar novos personagens envolvidos. Além disso, o caso levanta um debate sobre a necessidade urgente de fortalecer mecanismos de compliance e governança nas autarquias públicas.
Enquanto isso, o Ministério da Previdência e o novo comando do INSS tentam estancar os danos e recuperar a credibilidade de um dos órgãos mais importantes do país.
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