Após a revelação da Operação Tempus Veritatis da Polícia Federal na semana passada, novos elementos de prova de atos de cunho golpista do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seu entorno criaram controvérsia sobre qual seria o enquadramento criminal das condutas mencionadas.
Os fatos relatados têm materialidade dos crimes de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de Direito, de acordo com a decisão do ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal.
Experts consultados pela reportagem divergiram. A questão de quais condutas investigadas deixam de ser atos preparatórios de um crime, que não podem ser punidos, e passam a ser tentativas de cometer um.
A PF divulga mensagens que indicam que Bolsonaro conversou com oficiais-generais das Forças Armadas sobre a edição de um decreto golpista, entre os argumentos para a nova operação. Além disso, apesar de ele ter solicitado alterações à minuta de golpe apresentada por um auxiliar, a decisão de prisão de Moraes, que seria monitorada, e a realização de novas eleições continuam.
Além disso, a três meses da eleição, Bolsonaro ordenou que os funcionários do governo divulgassem declarações sobre fraude eleitoral e exortou os participantes a projetar um plano para manter o governo.
Além disso, as mensagens indicam que Mauro Cid, um ex-assistente de ordens de Bolsonaro, forneceu diretrizes em suas conversas sobre onde os manifestantes golpistas devem realizar suas ações.
Entre os entrevistados, alguns acreditam que, mesmo que os ataques de 8 de janeiro não tivessem ocorrido, esses casos por si só configurariam crime tentado. Além disso, alguns indivíduos os consideram apenas atos preparatórios para um crime que finalmente acontecerá.
O crime é tentar abolir, ou seja, transformamos a tentativa em um crime completo. Ele afirma que isso dificulta a limpeza dos procedimentos de preparação nesses casos.
Considera difícil afirmar que as ordens de Bolsonaro não foram executadas, pois tudo teria sido limitado an atos preparatórios, como a criação de acampamentos golpistas.
“Eu acho que o erro aqui é a gente tentar vincular an ideia de golpe apenas ao 8 de janeiro”, afirma. “Ele demonstra toda an intenção golpista, mas ele não era a única maneira de se dar um golpe”.
Luís Greco, professor de direito penal da Universidade Humboldt de Berlim, afirma que os crimes de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de Direito não estariam configurados ao analisar os elementos incluídos nesta nova decisão, como a reunião em que Bolsonaro teria discutido a minuta do decreto do golpe com militares.
Isso ocorre porque ele acredita que an execução desses tipos penais ainda não começou, pois ambos requerem violência ou ameaça grave para serem implementados. Este é também o caso do monitoramento de Moraes.
Greco afirma que a reunião não representa o início da execução de violência ou de uma ameaça grave. “Uma reunião para discutir uma estratégia de ação, isso é ato preparatório”.
Ele compreende que, embora as reuniões sozinhas nunca façam tentativas desses crimes, é possível que isso ocorra devido an outros fatores. No entanto, ele observa que demonstrar a causalidade entre esses atos e os ataques em Brasília é complicado.
Tatiana Stoco, professora de direito e processo penal do Insper, afirma que é possível identificar uma organização criminosa com múltiplas frentes e um plano em comum muito engessado, com base nos elementos listados na decisão.
Observo claramente a configuração do crime de tentar abolir o Estado democrático de Direito. Ela afirma que não é apenas um ato preparatório; já iniciamos a execução.
Ela percebe os diferentes atos como partes separadas de uma obra maior. “Essa tentativa não começou ali [no 8 de janeiro], mas começou antes, com todas essas medidas objetivamente traçáveis para que eles chegassem no objetivo deles”.
Segundo Frederico Horta, professor de direito penal da Universidade Federal de Minas Gerais, as reuniões não seriam puníveis se fossem apenas atos preparatórios. “Sem o 8 de janeiro, não há execução de golpe”, afirma.
No entanto, ele não é capaz de examinar as novas evidências separadamente do 8 de janeiro.
Horta reconhece que as novas evidências sugerem que uma grande parte dos alvos da PF são, no mínimo, os instigadores dos ataques na capital federal e que eles podem ser enquadrados como participantes da tentativa de golpe, dependendo das evidências contra cada um deles.
A minuta do golpe serve como evidência da intenção. Afirma que Bolsonaro está ligado ao que ocorreu, demonstrando que ele foi um instigador doloso, ou seja, desejando que aquela mobilização ocorresse.