Julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), previsto para ser retomado neste mês, vai decidir se o abuso de poder religioso pode ser incluído como motivo para a cassação de políticos.
Atualmente o TSE entende que apenas os abusos de poder político e econômico podem resultar na perda do mandato.
Pastora, a vereadora Valdirene Tavares dos Santos, eleita em 2016 no município de Luziânia (GO), é acusada de usar sua posição na igreja para promover sua candidatura durante a campanha, influenciando o voto de fiéis – o que seria caracterizado abuso de poder religioso.
Até o momento, o relator do caso, ministro Edson Fachin, e o ministro Alexandre de Moraes votaram pela não cassação do mandato, conforme pedido no recurso que discute a cassação do mandato da vereadora.
Fachin votou contra a cassação por concluir que não foram reunidas provas suficientes no caso concreto para confirmar o “abuso de poder religioso”.
Mas ressaltou a necessidade de separação e independência entre Estado e religião para garantir ao cidadão autonomia para escolher seus representantes políticos. O ministro Fachin propôs ao plenário do TSE que, a partir das eleições de 2020, seja possível incluir a investigação do abuso de poder de autoridade religiosa no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes).
“A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”, disse Fachin no julgamento de ação que pede a cassação da vereadora de Luziânia.
Um pedido de vista do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto suspendeu o julgamento do recurso.
De acordo com a acusação do Ministério Público Eleitoral, houve abuso de poder religioso de Valdirene Tavares, uma vez que a então candidata teria se reunido na catedral da Assembleia de Deus, localizada na cidade, para pedir votos aos membros da congregação.
A reunião com pastores de outras filiais foi convocada pelo pai da candidata, Sebastião Tavares, também pastor e o dirigente da igreja no município.
“CAÇA ÀS BRUXAS”
A possibilidade de que abuso de poder religioso se torne motivo para cassação de mandato desagradou a aliados do presidente Jair Bolsonaro. Eles veem no debate uma “caça às bruxas” contra o conservadorismo.
“Fachin propôs ao TSE a hipótese de cassação de mandato por ‘abuso de poder religioso’. Problema: a lei fala em abuso de poder econômico ou político. Um tribunal não pode, por ativismo, criar a nova hipótese. Mais uma brecha para perseguição ilegal de religiosos e conservadores?”, escreveu a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), uma das mais próximas de Bolsonaro, no Twitter.
Para o procurador Ailton Benedito, aliado de Bolsonaro e do procurador-geral da República, Augusto Aras, pelo argumento de Fachin, outras condições de liderança poderiam influenciar a escolha dos eleitores e intervir no direito constitucional da liberdade de voto.
“Fachin propõe que ‘abuso de poder religioso’ leve à perda de mandato. Porém, como ficariam os abusos de poder partidário, ideológico, filosófico, sindical, associativo, escolar, universitário… com o objetivo de influenciar eleitores?”, questionou Benedito.
O TSE também está na mira do Palácio do Planalto por causa de seis ações que investigam a campanha de Bolsonaro à Presidência em 2018. Dessas, quatro apuram supostas irregularidades na contratação do serviço de disparos em massa de mensagens pelo aplicativo WhatsApp durante a campanha eleitoral, por exemplo.
VITÓRIAS EVANGÉLICAS
No Rio de Janeiro, o prefeito Marcelo Crivella foi eleito com o apoio maciço da Igreja Universal do Reino de Deus, de onde é bispo licenciado. Ele também é sobrinho de Edir Macedo, dono da TV Record.
Os defensores do abuso de poder religioso também apontam como prova da influência de líderes religiosos o crescimento da bancada evangélica no Congresso, que passou de 78 integrantes na última legislatura para 91 atualmente. Embora não seja expressiva em números, a bancada é forte em votos. Entre os 84 deputados eleitos, nove são campeões de votos em seus estados.
Formada por parlamentares de diferentes partidos, a bancada evangélica atua de forma organizada no Congresso e costuma defender uma pauta conservadora em relação aos costumes.