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Depoimento do governador do Acre foi dado nesta terça-feira (5). PGR acusa Gladson Cameli de organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção passiva, peculato e fraude a licitação.
O governador do Acre, Gladson Cameli, prestou depoimento nesta terça-feira (5) no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele é réu desde maio por organização criminosa, corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro e fraude à licitação. O depoimento ocorre após um pedido de adiamento feito pela defesa do gestor e aceito pela própria Justiça.
A imprensa pôde acompanhar o depoimento nos últimos 20 minutos finais. Em apuração feita pelo g1, Cameli fez esclarecimentos sobre:
- apartamento de luxo em São Paulo;
- minuta encontrada no apartamento e diálogo entre Cameli e Rômulo Grandidier;
- suposta interferência da família no governo.
Ao final do depoimento, o governador não gravou entrevista. Seus advogados de defesa disseram à imprensa que o processo está em fase de diligências finais e que a defesa deve apontar falhas no processo. Eles pontuaram ainda sobre HDs apreendidos que, supostamente, não foram periciados, e um relatório de inteligência financeira com informações “inconsistentes”.
‘Apartamento é do meu pai’
Gladson Cameli disse durante o depoimento que o imóvel em São Paulo, avaliado em mais de R$ 5 milhões, nunca esteve em seu nome e, portanto, não é dele. Falou ainda que a compra foi uma decisão familiar, intermediada pelo irmão. Segundo as investigações, o apartamento foi adquirido pouco tempo após Gladson ser eleito governador em 2018.
Ainda durante as investigações, a Construtora Rio Negro, pertencente a Gledson Cameli, que é irmão do governador, foi apontada como responsável pelo pagamento de ao menos R$ 647 mil em parcelas de um apartamento na capital paulista e cujo verdadeiro dono seria o governador do Acre. Além disso, pagou 81% do valor de um veículo de luxo que, aponta a apuração, também pertencia a Cameli.
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Eladio Cameli, pai de Gladson Cameli — Foto: Arquivo pessoal
“Eu não tinha condições de pagar. Meu pai tinha condições financeiras. E a compra do imóvel era para criar uma situação confortável pro meu pai em São Paulo, que estava em tratamento contra o câncer”, disse o governador no depoimento desta terça (5).
O MP questionou sobre ele ter comprado o apartamento ‘na planta’, ou seja, sem estar pronto. Cameli justificou que a compra foi feita desta maneira pois facilitaria na troca por outro espaço.
Além disto, Cameli justificou que o irmão, Gledson, foi o ‘grande negociador’ que tratou das questões burocráticas envolvidas enquanto o pai fazia tratamento contra o câncer. Gledson também é um dos investigados da Ptolomeu. “Afirmo com toda segurança, esse apartamento é de meu pai. Totalmente dele, não é meu, não tem nada a ver comigo”, complementou.
Minuta e suposta interferência familiar no governo
O governador também foi questionado sobre uma minuta de divórcio, encontrada na casa dele. Nessa petição, que trata sobre divisão de bens e demais dados sobre o casamento, estaria escrito “imóvel de São Paulo”. No depoimento, Cameli afirmou que desconhecia a minuta.
Os promotores também questionaram um diálogo entre o governador e o ex-secretário da Fazenda (Sefaz), Rômulo Grandidier, que mencionava uma transferência de apartamento para uma empresa, GGC Holding. Grandidier foi afastado e, depois, exonerado do cargo em março de 2023 durante a 3ª fase da Operação Ptolomeu.
Sobre isso, o governador mais uma vez disse que desconhecia esse diálogo. “Se esse apartamento fosse meu, estaria em meu nome”, afirmou.
Nas considerações finais, Cameli disse que nem os irmãos e nem o restante da família interferiram em ações do governo. O governador disse ainda que recebe doações de seu pai, Eládio Cameli, e que ‘até para comprar um carro precisa pedir ao pai’.
Réu
Cameli é réu em uma ação penal que investiga fraudes em licitação, desvio de recursos públicos e formação de organização criminosa. Em maio deste ano, a Corte Especial do STJ aceitou a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), que inclui ainda acusações de corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro e fraude à licitação.
O depoimento do governador, que estava agendado para o dia 25 de outubro no Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi adiado para esta terça (5). A decisão foi tomada após a defesa do governador alegar que não teve acesso a um documento relacionado à denúncia contra ele.
O juiz responsável pela audiência acolheu ao pedido da defesa, determinando acesso imediato ao material e estendendo o prazo para que ele seja ouvido.
Conforme apurado pela Rede Amazônica, o documento em questão seria um relatório de atividades financeiras que trata da compra de um apartamento de luxo em São Paulo que teria sido feita pelo governador em 2019.
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Gladson Cameli, governador do Acre — Foto: Arquivo/Secom
As investigações, que tiveram início em 2019, foram conduzidas pela Polícia Federal na Operação Ptolomeu.
As denúncias envolvem a contratação da empresa Murano, com sede em Brasília, para prestar serviços ao governo do estado. A empresa teria subcontratado outra, localizada no Acre, que tem como sócio o irmão de Gladson Cameli, Gledson Cameli.
Segundo a acusação, essa contratação resultou em um esquema de favorecimento financeiro ao governador e a outros envolvidos, causando prejuízos aos cofres públicos.
Mantido no cargo
Na sessão de 15 de maio, quando a Corte Especial recebeu a denúncia da PGR contra Cameli, os ministros negaram o afastamento dele do cargo. Dessa forma, ele deve continuar atuando como governador do Acre enquanto responde à ação.
A corte também determinou a indisponibilidade de bens do governador e a manutenção de medidas cautelares que já haviam sido adotadas contra ele – que não foram detalhadas no julgamento.
STJ fala em desvio de mais de R$ 16 milhões em recursos públicos, porém, segundo o MPF, foram identificados oito contratos com ilegalidades e a estimativa é que os prejuízos aos cofres públicos alcancem quase R$ 150 milhões.
Na ocasião, o governador disse ter recebido com “serenidade” a decisão do STJ de dar continuidade às investigações da Operação Ptolomeu. “É importante destacar que o Tribunal fez justiça ao negar o pedido de afastamento do mandato que o povo do Acre me deu de forma legítima e democrática”, disse.
Ele ainda destacou que “a defesa terá a tranquilidade e o espaço necessário para esclarecer dúvidas e repor a verdade”. Segundo o governador, a decisão dá a “oportunidade de me defender no âmbito judicial. A justiça cumpriu seu papel e seguirei colaborando no que for necessário e confiante na correção das falhas da investigação e na reafirmação minha idoneidade.”
Outras 12 pessoas foram denunciadas pela procuradoria, incluindo empresários, servidores e parentes do governador. São suspeitos de envolvimento no esquema a ex-mulher, dois irmãos e dois primos de Cameli.
Entenda as acusações contra Gladson Cameli
A denúncia da PGR envolve um contrato assinado em 2019 pelo governo do Acre com uma empresa de engenharia do Distrito Federal chamada Murano. No valor de R$ 24,3 milhões, previa manutenção predial.
Segundo a investigação, a Murano não tinha escritório no Acre e nunca havia atuado no estado. E, para contratá-la, o governo acreano aderiu a uma ata de registro de preços de um instituto de educação de Goiás. Com isso, evitou fazer uma licitação, em que mais empresas poderiam disputar o contrato.
Ainda de acordo com a investigação, um dia após a assinatura do contrato com o governo do Acre, a Murano celebrou parceria com a empresa Rio Negro, que tem entre os sócios Gledson Cameli, um dos irmãos do governador. Foi a Rio Negro quem passou a ser responsável pela execução dos serviços.
A relatora da ação no STJ, ministra Nancy Andrighi, citou em seu voto que a Controladoria-Geral da União (CGU) apontou que a esquema permitiu a contratação “indireta” da Rio Negro pelo governo do Acre e configurou uma “tentativa de dar aparência legal de contratação sem licitação”.
Na visão dos investigadores, esse esquema foi criado para permitir desvio de verbas que beneficiaram o governador do Acre e seus familiares. A análise da CGU indicou sobrepreço de mais de R$ 8 milhões e superfaturamento de R$ 2,9 milhões no contrato assinado com a Murano.
De acordo com a denúncia da PGR, é “inegável o desvio de recursos públicos, os quais deveriam ser empregados na execução das obras, mas foram desviados em favor de familiares” de Cameli.