“Se o senhor for em frente com isso, serei obrigado a prendê-lo”, teria afirmado o general Marco Antônio Freire Gomes ao ex-presidente
O golpe de Estado projetado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) só não foi executado porque as Forças Armadas não entraram em um consenso. Se por um lado o ex-comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier, teria ido até às últimas consequências pelo seu ex-chefe soberano, por outro, o ex-comandante do Exército, o general Marco Antônio Freire Gomes, ficou do lado da Constituição Federal, frustrando qualquer aventura golpista.
Segundo reportagem do Valor Econômico, a divergência dentro do Alto Comando militar consta em novo trecho vazado da delação premiada que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, acordou com a Polícia Federal (PF).
No depoimento, Cid afirmou que Freire Gomes ameaçou dar voz de prisão ao então presidente na reunião em que ele teria buscado apoio da cúpula das Forças Armadas para dar um golpe de Estado e prender opositores e o atual presidente, Lula, vencedor nas urnas.
O suposto encontro ocorreu em 24 de novembro de 2022, no Palácio da Alvorada. Garnier foi o único a afirmar seu apoio imediato a Bolsonaro, enquanto o comandante do Exército confrontou a proposta: “Se o senhor for em frente com isso, serei obrigado a prendê-lo”, teria dito. O brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, comandante da Aeronáutica, ficou calado diante da propensão golpista.
Ainda de acordo com o Valor, Mauro Cid delatou que Freire Gomes não embarcou na iniciativa porque sabia que não teria apoio nem dos subordinados imediatos e nem dos Estados Unidos, que agiu por trás das cortinas no golpe de 1964. Seis comitivas estadunidenses já teriam vindo ao Brasil em 2022 para dar esse recado a Bolsonaro e às Forças Armadas.
“Freire Gomes sabia que os comandantes do Sul (Fernando Soares), do Sudeste (Tomáz Miguel Ribeiro Paiva, atual comandante do Exército), do Leste (André Novaes) e do Nordeste (Richard Nunes) não apoiariam. Além disso, os americanos – civis e militares – já haviam dado fartas demonstrações de que não apoiariam”, ressaltou Cid.
Favores a Bolsonaro
Na delação, Cid ainda teria revelado que Garnier aderiu ao golpe por dever favores a Bolsonaro. Ele foi alçado ao comando da Marinha pelo ex-presidente sem ter comandado nenhuma das esquadras da força. Trata-se de uma pré-condição para se chegar ao topo da carreira.
Garnier também teve a esposa Selma Foligne Crespio de Pinho contratada pelo governo de Jair Bolsonaro na Secretaria-Geral da Presidência poucos meses depois de se aposentar da Marinha, em abril de 2019.
Filho do casal, o advogado Almir Garnier Santos Junior foi contratado pela Engepron em 29 de julho de 2019, no segundo semestre do governo de Jair Bolsonaro, seis meses depois do pai ser alçado ao segundo posto de comando do Ministério da Defesa.
Segundo a reportagem do Valor Econômico, um mês após a reunião, um amigo encontrou Garnier numa sala da Marinha “à paisana, com a barba por fazer, indisposto a participar da cerimônia de transmissão do cargo”. De fato, o então comandante da Marinha foi o único a não passar o bastão para seu sucessor, o almirante Marcos Olsen, no governo Lula.
Caso seja confirmada a delação de Cid, Garnier – que estaria com problemas de saúde – pode responder por ao menos dois crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado. Na Justiça militar, o almirante pode perder a patente. E mesmo que venha a ser deposto do quadro de oficiais, seu salário será pago na conta da esposa.
Pressão sobre Freire Gomes
Sócio de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) na Braz Global Holding, empresa criada em maio do ano passado em Arlington, no Texas, o empresário Paulo Generoso antecipou pela rede X (antigo Twitter) o encontro entre Bolsonaro e a cúpula das Forças Armadas, revelado em delação premiada pelo tenente coronel Mauro Cid.
Em sequência de tuítes publicado no dia 20 de dezembro de 2022, Generoso escreveu:
“Em reunião esta semana com o alto comando das Forças Armadas, Bolsonaro pediu apoio para barrar o avanço do judiciário sobre os outros poderes e pediu para que a posse de Lula fosse adiada por 6 meses, até que equipe de juristas fizesse uma investigação sobre favorecimento à (SIC) Lula”.
Em seguida, o sócio de Eduardo Bolsonaro faz menção a uma resistência do então comandante do Exército, o general Marco Antônio Freire Gomes, que vinha sendo pressionado pela horda bolsonarista a apoiar a tentativa de golpe.
“Freire Gomes foi contra [o apoio ao golpe de Bolsonaro] e disse que não valia a pena ter 20 anos de problemas por 20 dias de glória e falou que não apoiaria ou atenderia o chamado do presidente para moderar a situação mesmo após Bolsonaro apresentar vários indícios de parcialidade em favor de Lula pelo TSE e STF”, escreveu Generoso.