Governo Bolsonaro promoveu ‘desmanche’ no combate à corrupção, diz Transparência

Presidente Jair Bolsonaro em Brasília 02/12/2021 REUTERS/Adriano Machado
Organização, que divulgou ranking de percepção da corrupção, afirma que ex-presidente usou mandato para destruir aparato de controle e garantir a ‘impunidade’ a familiares e aliados.

Transparência Internacional afirma, em relatório divulgado nesta terça-feira (31), que ações e omissões do governo de Jair Bolsonaro (PL) promoveram um “desmanche acelerado” e um retrocesso no combate à corrupção no Brasil.

A avaliação faz parte do relatório global que mede a percepção sobre a corrupção em 180 países. O Brasil ficou em 94ª lugar no ranking mundial, considerado um desempenho ruim pela organização.

Para a entidade, um dos fatores foi Bolsonaro ter utilizado o mandato, desde o primeiro dia de governo, para se blindar e blindar a família de investigações sobre denúncias de corrupção “fartamente comprovadas”.

O ex-presidente também garantiu proteção, avalia o relatório, ao usar o chamado “orçamento secreto” — emendas parlamentares cuja distribuição de recursos é definida pelo relator do Orçamento e não têm critérios claros ou transparência — para esvaziar o apoio à tramitação de processos de impeachment no Congresso Nacional.

A consequência, afirma a entidade, foi a “destruição” de mecanismos, aparatos e credibilidade de instituições de controle e fiscalização do país.

No ambiente de retrocesso no combate à corrupção, os anos Bolsonaro avançaram, segundo avaliação da entidade, para uma “degeneração sem precedentes” do regime democrático brasileiro, o que levou o país aos ataques golpistas nas sedes dos Poderes em Brasília, no início de janeiro.

“Os dois processos, de desmonte do arcabouço anticorrupção e da degradação da governança democrática, estão estreitamente relacionados”, indica o relatório Retrospectiva Brasil 2022.

 

Para a instituição, o retrocesso dos últimos quatro anos só foi possível graças a interferências do então presidente em instituições independentes e à omissão de agentes públicos nomeados por Bolsonaro.

A “peça central”, de acordo com a Transparência, foi a indicação de Augusto Aras para o cargo de procurador-geral da República, que “não apenas desarticulou o enfrentamento à macrocorrupção, mas foi também responsável por uma retração histórica nas funções de controle constitucional dos atos do governo”.

“Muito mais do que frear processos específicos, ele [Bolsonaro] neutralizou o sistema de freios e contrapesos da democracia brasileira, desmontando os três pilares que o sustentam: jurídico, político e social. Com isto, sua blindagem foi muito além da delinquência passada. Ele garantiu impunidade para cometer novos e muito mais graves crimes”, diz o documento.

 

Causa e recomendações

 

O relatório aponta como fatores para o “desmonte do arcabouço anticorrupção”:

  • fragilização das instituições;
  • ameaças ao sistema eleitoral;
  • esquemas de corrupção revelados;
  • ataques ao Supremo Tribunal Federal;
  • desmonte das políticas de proteção ambiental.

 

Menciona ainda:

  • recomendações aos Três Poderes;
  • e pontos positivos e negativos no Legislativo e Judiciário.

 

Fragilização das instituições

 

Segundo o documento, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro teria interferido na atuação de outras instituições, como a Polícia Federal e a Petrobras.

A entidade cita, por exemplo, a troca de presidentes da Petrobras por insatisfação do governo anterior com o aumento do preço dos combustíveis.

Ameaça ao sistema eleitoral

 

A entidade avalia que o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores “levantaram dúvidas em relação à segurança das urnas eletrônicas, tentando reiteradamente minar um sistema que se provou confiável ao longo dos anos”.

Um dos casos citados pela Transparência Brasil é a apresentação feita por Bolsonaro para embaixadores de vários países na qual repetiu suspeitas já desmentidas por órgãos oficiais sobre a segurança das urnas eletrônicas.

O relatório lembra ainda que, após o segundo turno, o partido do então presidente Bolsonaro entrou no Tribunal Superior Eleitoral com pedido de verificação do resultado das eleições, sem apresentar provas de fraude.

Investigações contra corrupção

 

A Transparência lista episódios em que o então presidente e aliados foram citados em esquemas com indícios de corrupção. As apurações não caminharam, segundo a entidade, devido à interferências de Bolsonaro.

Para a organização, os casos desmontaram a narrativa criada por Bolsonaro de que não havia mais corrupção no governo.

O relatório também elenca como causas para o desempenho ruim do país no ranking mundial de corrupção:

  • o arquivamento da denúncia que apura a participação do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) em um esquema de “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio;
  • a utilização de servidores da Receita Federal para ajudar na defesa de Flávio Bolsonaro na denúncia de participação do esquema de “rachadinhas”;
  • o levantamento que aponta que ao menos 51 imóveis foram comprados pela família Bolsonaro com dinheiro vivo;
  • o suposto esquema para liberação de verbas pelo Ministério da Educação, no qual foram citados o então presidente Jair Bolsonaro e o então ministro Milton Ribeiro, e os indícios de irregularidades na compra de kits de robótica com verbas do Ministério da Educação e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação;
  • a utilização da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) para obras com verbas do chamado “orçamento secreto” e de uso eleitoral;
  • e uma recomendação aprovada pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso para que o Tribunal de Contas da União (TCU) deixasse de suspender obras e serviços públicos sem antes consultar o Congresso.