
Uso de alimentos como arma na Faixa de Gaza pode configurar crime de guerra, alerta entidade internacional. Tel Aviv permanece em silêncio.
Mais de 400 palestinos foram mortos pelo Exército de Israel enquanto tentavam acessar centros de ajuda humanitária na Faixa de Gaza. A denúncia foi feita nesta terça-feira (24) pelo Alto-Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, que aponta possíveis violações graves do direito internacional.
Segundo o órgão, pelo menos 410 mortes foram registradas desde que a distribuição de alimentos foi militarizada, no sul do território palestino. Os dados foram coletados a partir de fontes locais, organizações não governamentais e autoridades de saúde palestinas, e estão em processo de verificação. A imprensa internacional segue impedida de atuar livremente na região devido a restrições impostas por Tel Aviv.
“Transformar comida em arma e impedir o acesso a serviços essenciais à vida é crime de guerra”, afirmou o porta-voz Thameen Al-Keetan. Ele criticou duramente o modelo adotado pela Fundação Humanitária de Gaza (FHG), iniciativa apoiada por Israel e Estados Unidos, dizendo que o sistema “contraria os padrões internacionais de ajuda emergencial”.
‘Parece o apagamento da vida palestina’
No domingo (22), o chefe do Escritório de Ajuda Humanitária da ONU na Palestina, Jonathan Whittall, foi categórico: “É fome usada como arma. É deslocamento forçado. É uma sentença de morte para quem só tenta sobreviver. Juntas, essas ações parecem visar o apagamento da vida palestina em Gaza”.
Em visita ao hospital Nasser, um dos poucos ainda em funcionamento na região, Whittall relatou ter encontrado vítimas feridas após ataques nas filas por comida. De acordo com testemunhas, os disparos seguem um padrão sistemático e recorrente.
Nesta terça, Mahmud Bassal, porta-voz da Defesa Civil de Gaza, informou que ao menos 21 pessoas morreram e 150 ficaram feridas durante um novo ataque. Segundo ele, soldados israelenses abriram fogo e dispararam projéteis de tanques contra civis que aguardavam por alimentos em uma rodovia no centro de Gaza.
Israel não comenta, mas acusações se acumulam
Israel não respondeu oficialmente à denúncia da ONU. Em episódios anteriores, o governo israelense afirmou que suas tropas atiram apenas contra suspeitos que não obedecem a tiros de advertência. Ainda assim, cresce o número de mortos civis — sobretudo em pontos próximos aos centros de distribuição de ajuda.
A Fundação Humanitária de Gaza iniciou suas atividades no fim de maio. Na véspera do início da operação, o então diretor Jake Wood pediu demissão, afirmando que a entidade não conseguiria seguir princípios humanitários básicos, como neutralidade e imparcialidade.
Atualmente, a FHG opera com apenas quatro pontos de distribuição, concentrados no sul do território. Antes do novo modelo, a ONU coordenava mais de 400 pontos de ajuda. Entidades internacionais rejeitam colaborar com a fundação por considerarem sua atuação opaca e politizada.
Israel declarou que a FHG fará checagem do vínculo dos beneficiados com o Hamas antes da entrega de comida — o que contraria resoluções da Assembleia-Geral da ONU, que proíbem distinções ideológicas, religiosas ou políticas na distribuição de ajuda humanitária.
Críticas crescem, número de mortos dispara
O diretor da agência da ONU para refugiados palestinos, Philippe Lazzarini, afirmou que o modelo implementado por Israel é “uma armadilha mortal que mata mais do que salva”.
Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, quase 56 mil palestinos já morreram desde o início da ofensiva militar, o equivalente a mais de 2% da população local. A ONU classifica a crise como a mais grave catástrofe humanitária do século XXI.