
Em um caso inédito e que promete gerar amplo debate jurídico e social, uma mulher de Salvador (BA) acionou a Justiça do Trabalho após ter negado pela empresa o direito à licença-maternidade e ao salário-família, sob o argumento de que sua filha é um bebê reborn — uma boneca hiper-realista. A ação, que tramita na 5ª Região da Justiça do Trabalho, pede rescisão indireta, indenização por danos morais e o reconhecimento da maternidade afetiva.
A reclamação trabalhista, com pedido de tutela antecipada, foi ajuizada nesta semana e envolve a empresa Panorama Administração e Negócios Imobiliários LTDA. A autora, Maira Campos Leite, afirma ter desenvolvido um profundo vínculo emocional com sua filha reborn, a quem nomeou de Olívia de Campos Leite. Ela sustenta que, embora a maternidade não seja biológica, o laço afetivo possui a mesma intensidade e responsabilidade que qualquer relação materna tradicional.
Empresa negou benefícios e ridicularizou vínculo, afirma a mãe
Segundo os autos do processo, ao informar a empresa sobre sua maternidade e solicitar licença de 120 dias, além do recebimento do salário-família, Maira foi alvo de escárnio e constrangimento. A empresa teria rejeitado os pedidos, afirmando que ela “não é mãe de verdade” e, ainda, a expôs ao ridículo perante colegas, sugerindo que “precisava de psiquiatra, não de benefício”.
Diante da recusa, a trabalhadora continuou em suas funções de recepcionista, mas relata que sofreu intenso abalo psicológico, resultando na perda de confiança na relação contratual e no agravamento de sua saúde mental. Por isso, além da rescisão indireta, ela requer o pagamento de R$ 10 mil a título de danos morais.
Documento_8a196d6_250528_172643“Maternidade não é só biologia”, defende autora da ação
Na petição inicial, a defesa de Maira argumenta que a maternidade, no direito contemporâneo, ultrapassa o fator biológico, sendo essencialmente um ato de afeto, cuidado e responsabilidade. O texto cita que o ordenamento jurídico brasileiro já reconhece a maternidade socioafetiva em diversos contextos, principalmente no Direito de Família.
Assim, sustentam que não há razão para que o Direito Trabalhista — igualmente alicerçado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do livre desenvolvimento da personalidade — não estenda tal proteção.
“A Reclamante cuidou, protegeu e assumiu papel materno integral em relação ao bebê reborn, enfrentando inclusive discriminação social e institucional por sua condição, que é real, emocional e digna”, afirma a defesa.
Direito inédito: licença-maternidade para mãe de bebê reborn?
O caso pode inaugurar uma nova fronteira no reconhecimento da maternidade afetiva no campo do Direito do Trabalho. Até o momento, não há precedentes consolidados que estendam benefícios típicos da maternidade biológica ou adotiva a mães de bebês reborn.
Além da rescisão indireta e dos danos morais, Maira pleiteia também o pagamento retroativo do salário-família, bem como o recebimento de todas as verbas rescisórias, incluindo aviso prévio, férias proporcionais, 13º salário e liberação do FGTS com multa de 40%.
A autora solicita ainda a concessão da tutela de urgência para que a rescisão seja reconhecida de imediato, evitando danos psicológicos contínuos.
Decisão pode repercutir nacionalmente
Especialistas apontam que o caso poderá abrir precedente sobre a extensão dos direitos trabalhistas a novas formas de parentalidade afetiva e não convencional.
“Negar esse direito é reduzir a mulher à sua função reprodutiva, ignorando os avanços da psicologia e do direito sobre o vínculo de apego e parentalidade emocional”, pontua a defesa.
A ação, registrada sob o número 0000457-47.2025.5.05.0016, tramita na Vara do Trabalho de Salvador. O valor da causa foi fixado em R$ 40 mil.
Agora, cabe ao Judiciário decidir: o direito à maternidade, ainda que afetiva, deve ser protegido também no âmbito trabalhista?
O caso segue sob análise e pode estabelecer um precedente jurídico histórico no país.