Enquanto a ofensiva militar de Israel contra os palestinos na Faixa de Gaza se intensifica, uma empresa brasileira surge no centro de uma controvérsia internacional. A Villares Metals, siderúrgica localizada no interior de São Paulo, exportou recentemente duas cargas de aço para gigantes da indústria de armas de Israel: a IMI Systems e a Israel Weapon Industries (IWI) — ambas reconhecidas por fornecer armamentos ao Exército israelense.
Exportações estratégicas: do interior paulista aos arsenais israelenses
As informações sobre essas remessas foram reveladas pelo site irlandês The Ditch e compartilhadas com o Intercept Brasil. Os registros apontam que, em janeiro, barras de aço da unidade da Villares em Sumaré (SP) foram enviadas até Qiryat Gat, cidade onde está localizada a sede da IWI, a cerca de 56 km de Tel Aviv.
A IWI, que até 2005 foi uma estatal, é famosa pela fabricação de fuzis e metralhadoras utilizados pelas Forças de Defesa de Israel (FDI). Entre os produtos mais icônicos está a submetralhadora Uzi, símbolo das operações militares israelenses desde os anos 1950.
Rota do aço brasileiro até Israel
O percurso das exportações revela uma logística precisa: as cargas deixaram o porto de Santos, foram embarcadas no navio MSC Adonis até o porto de Livorno, na Itália, e, posteriormente, transferidas para o MSC Athos, desembarcando em Ashdod, Israel, em março.
Pouco depois, a Villares preparou uma nova remessa, ainda mais volumosa, desta vez destinada à IMI Systems — empresa que, em 2018, foi adquirida pela Elbit Systems, um dos maiores conglomerados bélicos israelenses. Essa segunda carga, avaliada em mais de US$ 6 mil, também saiu do Brasil via Santos, chegando ao porto de Haifa em abril.
Empresas envolvidas: silêncio sobre as remessas de aço
Procuradas pela reportagem, a Villares Metals, a IMI Systems e a IWI optaram por não comentar as operações. A Villares justificou sua recusa ao afirmar que segue o “guideline de comunicação” do grupo austríaco Voestalpine AG, controlador da empresa desde 2007.
A Elbit Systems, que atualmente controla a IMI, faturou US$ 1,7 bilhão em 2024 e possui uma carteira de pedidos avaliada em US$ 22,1 bilhões, exportando drones, tanques, mísseis e outros armamentos para diversas nações, incluindo o Brasil.
Brasil, Israel e o comércio de guerra: contradições diplomáticas
Apesar das críticas públicas à atuação de Israel em Gaza, o governo brasileiro não impôs restrições às exportações de aço e outros insumos que podem abastecer a máquina militar israelense. Em 2024, o Brasil exportou US$ 725 milhões em produtos para Israel — quase 10% a mais que no ano anterior.
Entre os itens, destacam-se o petróleo, seguido por carnes, soja, café e, significativamente, barras de aço — o décimo produto mais exportado, com quase 10 milhões de dólares e 750 toneladas enviadas apenas neste ano.
Especialistas apontam que essa postura é incoerente com a retórica do presidente Lula, que classificou a ofensiva de Israel como “genocídio” e comparou-a ao Holocausto. Embora o governo brasileiro seja signatário de tratados que proíbem a exportação de materiais que possam ser usados em crimes de guerra, até agora não tomou medidas concretas para frear esse comércio.
Governo brasileiro desconcertado e sem respostas
Procurados, os ministérios das Relações Exteriores, Defesa e Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços se esquivaram de responsabilidades ou afirmaram não ter conhecimento sobre as exportações específicas da Villares para indústrias bélicas de Israel.
O Ministério da Defesa declarou que “não é o órgão de controle do produto em questão”, enquanto o Itamaraty e o MDIC transferiram a responsabilidade entre si, sem fornecer respostas conclusivas.
Críticas à falta de ação: especialistas pedem embargo
Para Gustavo Vieira, professor de Direito Internacional da Unila, o governo Lula deveria agir para evitar que produtos brasileiros alimentem conflitos:
“A efetividade dos importantes posicionamentos do presidente Lula fica prejudicada se desacompanhada de ações concretas”.
Na mesma linha, a advogada Maira Pinheiro, militante da causa palestina, reforçou:
“Uma resolução da Câmara de Comércio Exterior poderia estabelecer um embargo ou restrições comerciais, e isso já deveria ter ocorrido”.
O professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Bruno Huberman, sintetizou o cenário:
“Lula fala duro e age manso. O Brasil nunca interrompeu formalmente relações comerciais com Israel”.
Enquanto isso, outros países agem
Diferente do Brasil, países como Turquia e Canadá já impuseram sanções ou restrições à exportação de materiais para Israel. A Turquia suspendeu vendas de aço, fertilizantes, combustíveis de aviação e equipamentos de construção, enquanto o Canadá interrompeu a exportação de armas.
Villares: uma trajetória do Brasil para o mundo
Fundada em 1944, a Villares Metals carrega um simbolismo histórico: foi lá que o então jovem Luiz Inácio Lula da Silva trabalhou como metalúrgico, antes de se lançar na política. Hoje, sob controle estrangeiro, a siderúrgica se vê no centro de uma polêmica que confronta interesses comerciais, ética internacional e a política externa brasileira.