MC Poze: como transformar um funkeiro problema do Brasil, em “narcoterrorista” e ceder à pressão dos EUA

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A prisão de MC Poze do Rodo virou espetáculo midiático no exato momento em que os Estados Unidos pressionam o Brasil a rotular facções criminosas como organizações terroristas.

O funkeiro, um dos mais populares do país, foi preso e exposto por cinco dias — algemado, sem camisa e sem chinelos — sob acusação de ligação com o tráfico. Entretanto, a Justiça do Rio de Janeiro derrubou rapidamente a prisão. Na decisão, o desembargador Peterson Barroso Simão foi taxativo: “Não havia armas, nem drogas, tampouco flagrante. É preciso prender os chefes, aqueles que pegam em armas e negociam drogas”, destacou, apontando o óbvio: combater criminosos armados de verdade dá mais trabalho — e menos manchete.

Mas o roteiro não parou por aí. A imprensa logo estampou manchetes espalhafatosas: “Operador da Al-Qaeda lavava dinheiro para o Comando Vermelho”. O personagem da vez? Mohamed Ahmed Elsayed Ahmed Ibrahim, egípcio procurado pelo FBI e, segundo a Polícia Federal, supostamente ligado à lavagem de dinheiro do tráfico no Brasil.

Contudo, há um detalhe fundamental: ele não era alvo da operação realizada na última terça-feira (3). Quem foi? Vivi Noronha, esposa de MC Poze.

Ou seja: Poze foi preso, sua mulher virou alvo de busca e apreensão numa operação que mencionou a Al-Qaeda, mas cujo suposto “terrorista” nem estava no foco.

Procurada, a Polícia Civil confirmou que MC Poze não é investigado nesse caso, apenas a esposa. Questionada sobre a suposta ligação entre Vivi e Mohamed, a corporação permaneceu em silêncio.

Convenientemente, a operação ocorre no mesmo momento em que os EUA intensificam a pressão para que o Brasil classifique facções como o Comando Vermelho (CV) como organizações terroristas. A proposta foi rejeitada pelo governo federal, que alegou sólidos critérios jurídicos: segundo a Lei Antiterrorismo brasileira (nº 13.260), o crime exige motivação política, religiosa, racial ou ideológica — algo que, até o momento, não se aplica às facções, cuja motivação é exclusivamente financeira.

Enquanto isso, o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), abraça a ideia e até foi a Nova York para promover a narrativa de que o Brasil enfrenta uma ameaça global, vendendo o conceito de “narcoterrorismo” para atrair apoio e financiamento internacional.

No entanto, transformar o crime organizado em “terrorismo” não resolve a violência, mas resolve outro problema: melhora a imagem institucional, justifica operações espetaculosas com helicópteros, amplia o aparato repressivo e permite transformar qualquer MC em uma ameaça à segurança nacional.

Por outro lado, seria mais coerente aplicar o conceito de terrorismo às milícias — compostas por agentes estatais que, com motivação política, mantêm o Rio de Janeiro sob seu domínio. Mas, claro, isso exigiria cortar na própria carne.

Curiosamente, na mesma semana, integrantes da delegação americana ouviram o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que defende a tipificação do “narcoterrorismo”.

No fim das contas, o espetáculo segue: MC preso, esposa alvo de operação, Al-Qaeda citada, ligação com o Comando Vermelho sugerida. A guerra contra o “terror” agora também tem trilha sonora.

Enquanto isso, os verdadeiros operadores do crime seguem atuando em silêncio, fora dos holofotes.