Paris e Brasília — O mundo da fotografia e da arte perdeu nesta sexta-feira, aos 81 anos, Sebastião Salgado, considerado o maior fotógrafo brasileiro e um dos mais influentes da história contemporânea. O artista, que vivia em Paris, faleceu em decorrência de uma leucemia, associada a complicações causadas pela malária adquirida na Indonésia, em 2010.
Sebastião deixa sua esposa, Lélia Wanick Salgado, com quem foi casado desde 1967, e os filhos Rodrigo e Juliano. Neste sábado, ele participaria da inauguração de vitrais desenhados por Rodrigo, na cidade de Reims, França. Contudo, na véspera, precisou cancelar sua presença em um encontro com jornalistas devido ao agravamento do seu estado de saúde.
Em sua última entrevista à imprensa, há cerca de um mês, Salgado conversou sobre o projeto dos vitrais criados por Rodrigo, que tem síndrome de Down. Demonstrando entusiasmo com o tratamento que vinha realizando, afirmou:
“Minhas fotos talvez sobrevivam cem anos, mas os vitrais dele vão ficar por milhares de anos.”
Legado imortal na fotografia e no ativismo
Atualmente, uma retrospectiva de sua obra está em cartaz na cidade de Deauville, na costa norte da França. Na inauguração, no dia 1º de março, Salgado emocionou-se com a homenagem e, como sempre, reafirmou sua identidade:
“Algumas vezes as pessoas me dizem que sou um artista. Eu digo que não, que sou um fotógrafo.”

Sebastião Ribeiro Salgado Júnior nasceu em 1944, em Aimorés, interior de Minas Gerais. Formado em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), abandonou a carreira acadêmica e corporativa após descobrir a paixão pela fotografia durante viagens a trabalho pela África, nos anos 1970, quando atuava na Organização Internacional do Café.
“Percebi que instantâneos me davam mais prazer do que relatórios financeiros”, revelou certa vez.
Como fotojornalista e humanista, Salgado documentou algumas das mais marcantes crises e transformações sociais do século XX, com um olhar sensível e comprometido. De revoluções sociais a desastres humanitários, suas imagens em preto e branco tornaram-se sinônimo de excelência estética e profundidade política.
Da tentativa de assassinato de Reagan ao garimpo de Serra Pelada
Entre seus registros históricos, destaca-se a cobertura da tentativa de assassinato do então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, em 1981. Na ocasião, Salgado capturou 76 fotos em apenas 60 segundos.
Outro marco foi sua série sobre a mineração em Serra Pelada, na Amazônia, que retratou o esforço coletivo e brutal de milhares de garimpeiros. As imagens, que evocam um impressionante formigueiro humano, consolidaram sua fama internacional.

Sebastião Salgado também se destacou pela defesa intransigente do meio ambiente. Seu trabalho “Amazônia”, lançado em 2021, é uma das obras mais relevantes sobre a preservação da floresta. Antes disso, em 1996, lançou o livro “Terra”, fruto de sua imersão junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Reconhecimento global e homenagens póstumas
Sebastião foi laureado com diversos prêmios internacionais, como o Príncipe das Astúrias e o cobiçado Prêmio Internacional da Fundação Hasselblad. Sua trajetória inspirou o documentário “O Sal da Terra”, indicado ao Oscar, dirigido por Wim Wenders e seu filho Juliano, retratando suas expedições por territórios remotos como o Círculo Polar Ártico e Papua Nova Guiné — registros que deram origem ao livro “Gênesis”, publicado em 2013.
Nesta sexta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia no Palácio do Planalto com o presidente de Angola, João Lourenço, solicitou um minuto de silêncio em homenagem ao fotógrafo:
“Certamente, se não o maior, um dos maiores e melhores fotógrafos que o mundo já produziu”, declarou Lula, que também revelou que o presente preparado para Lourenço era justamente um livro de fotografias de Salgado — escolha feita antes da triste notícia.
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, lamentou profundamente:
“É uma perda muito impactante. Fica um legado de humanidade, respeito pelo próximo e pela natureza.”
O diretor de redação da Folha, Sérgio Dávila, reforçou a dimensão da perda:
“Sebastião Salgado foi o maior e mais importante fotógrafo brasileiro, além de parceiro habitual da Folha, onde publicou séries históricas. A perda é mundial.”
A Academia de Belas Artes da França, da qual Salgado era membro, declarou em comunicado:
“Uma grande testemunha da condição humana e do estado do planeta.”
Um olhar único sobre a dor e a beleza do mundo
De Ruanda à Guatemala, passando por Indonésia e Bangladesh, Salgado registrou guerras, fomes, êxodos e exploração com um olhar profundamente empático, sempre consciente de sua origem:
“Eu venho da mesma parte do mundo”, costumava dizer.
Ao mesmo tempo em que revelou a face mais dura das desigualdades, exaltou as mais belas paisagens, conscientizando sobre a necessidade urgente de preservar o meio ambiente frente à crise climática.
Perfeccionista, humanista, visionário. Sebastião Salgado deixa um legado incomparável, que transcende a fotografia, transformando-se em patrimônio universal da arte e da humanidade.