Negacionismo em pauta: o fim do presidencialismo de coalizão expõe o impasse da esquerda brasileira

Hugo Motta, presidente da Câmara, e Davi Alcolumbre, presidente da Senado: quem manda no Brasil hoje? Foto: IA generativa - Reprodução

Por que setores progressistas insistem em acreditar que o velho arranjo político ainda respira?

Em círculos progressistas, ganha força uma narrativa terapêutica — quase freudiana. A “elaboração secundária” reorganiza lembranças para que o passado se encaixe no presente. Assim, contradições somem e surgem histórias reconfortantes. Contudo, a realidade política brasileira de 2025 insiste em contrariar esse roteiro.

Da queda de Dilma ao cerco a Lula

Em 2015, Dilma Rousseff reassumiu o Planalto sob a sombra do impeachment. O Centrão, já comandado por Eduardo Cunha, avançava sobre o Congresso, enquanto a própria esquerda se fragmentava. Parte significativa do PT condenava a escolha de Joaquim Levy na Fazenda e de Kátia Abreu na Agricultura. Ainda assim, prevaleceu a aposta no “desenvolvimentismo conciliador”, embora o modelo já mostrasse sinais de fadiga.

Nos bastidores, pregava‑se uma “guinada à esquerda” para conter o bloco conservador. Na prática, cada derrota legislativa empurrava Dilma para acordos ainda mais amplos — e, ironicamente, mais frágeis. O resultado todos conhecem: a base ruiu, ministros votaram contra a própria presidente e o impeachment consumou a falência do presidencialismo de coalizão.

A repetição como farsa

Apesar do trauma, o governo Lula 3 insiste na mesma engrenagem. O Planalto distribui ministérios a partidos de centro, mas colhe infidelidade em votações cruciais. Basta lembrar o revés do IOF: 63 % dos votos pela derrubada do imposto vieram de legendas que integram a base formal.

Ainda assim, a militância petista sustenta que Dilma caiu por “excesso de ousadia” ou “falta de habilidade”, enquanto Lula, “mestre da conciliação”, seria capaz de restaurar a harmonia institucional. É o negacionismo em estado puro. Ignora‑se que a lógica parlamentar mudou, que as bancadas setoriais — agro, bala, evangélica — se tornaram mais coesas do que qualquer ministério ofertado.

O elefante na sala

Lula telefona a líderes do Centrão na esperança de recompor pontes, mas evita punir traições ou retirar cargos. Ao agir como se ainda fosse 2010, o governo desconsidera a metamorfose do Legislativo. O fenômeno não se resume a matemática de votos; trata‑se de um rearranjo estrutural, onde coalizões fluidas se formam caso a caso, e o Executivo perdeu o monopólio de distribuir verbas.

Risco de desgaste histórico

A negação custa caro. Se a base não se solidificar, o governo pode chegar a 2026 politicamente desidratado, mesmo controlando a máquina pública. A eventual derrota eleitoral, além de um revés para o PT, atingiria toda a esquerda, retardando reformas e jogando anos de capital político no lixo.

O presidencialismo de coalizão, tal como concebido nos anos 1990, morreu sob Dilma e não ressuscitará com Lula. Persistir em velhas fórmulas equivale a repetir erros — desta vez em um cenário ainda mais hostil. Reconhecer a morte do modelo não é pessimismo; é o primeiro passo para desenhar uma governabilidade compatível com o Congresso plural, orgânico e fragmentado que o Brasil exibe hoje.