Operação Pundonor: Gaeco desarticula quadrilha de PMs do Amazonas

Amazonas Atual

Manaus – AM: Presos no mês passado na Operação Pundonor, um tenente e três cabos da Polícia Militar do Amazonas foram denunciados pelo MP-AM (Ministério Público do Amazonas), na Justiça Militar, por prática de crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e extorsão contra um empresário de Manaus, em janeiro e maio deste ano.

De acordo com os promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado), o tenente da Polícia Militar Lourenço da Silva Souza e os cabos Sebastião Vieira Silva, Jessé Souza Vieira e David Sales Moreira tomaram pelo menos R$ 10,4 mil do empresário Fábio Pereira Gonçalves, dono de uma tabacaria em Manaus, mediante extorsão.

O MP afirma que os PMs tiveram auxílio de um segundo grupo, que cedia contas bancárias para dissimular a origem ilícita do dinheiro. O ex-agente penitenciário Ivan de Melo Silva, a esposa do tenente Lourenço, Adrianny Cristine Raposo de Souza, o cabo Carlos Henrique Medeiros Moreira e o irmão dele, o José Alissom Ferreira, foram denunciados pelo crime de lavagem de dinheiro.

As investigações do Gaeco indicam que o grupo de policiais usava a estrutura do estado, incluindo as viaturas, para realizar, em serviço policial, “abordagens simuladas” e praticar “extorsão de suas vítimas mediante graves ameaças e incriminação injusta e até de morte, para conseguirem dinheiro”, preferencialmente em espécie, para não deixar rastros.

De acordo com o MP, a primeira extorsão a Fábio Gonçalves ocorreu no dia 30 de janeiro deste ano, na Avenida Grande Circular, na zona leste de Manaus. Na ocasião, o tenente Lourenço e os cabos Sebastião, Jessé e David abordaram o empresário, que estava no próprio carro, e o deixaram algemado no banco de trás do veículo por cerca de quatro horas, enquanto faziam ameaças.

A abordagem foi registrada por câmeras de segurança. “Há registro em vídeo (…) onde é possível perceber que abordaram a vítima, a algemaram, colocaram no banco de trás do seu carro e passaram a conduzir o veículo da vítima, onde esta foi mantida com sua liberdade cerceada, seguidos pela viatura militar, enquanto conseguiam as transferências em dinheiro”, afirma o MP.

Câmeras de vigilância mostram viatura seguindo carro de empresário (Honda Civic preto) (Foto: MP-AM)

Na abordagem, os PMs alegaram estar cumprindo um mandado de prisão contra Fábio, mas, conforme o MP, não havia nenhuma ordem judicial contra o empresário. “A equipe policial, de forma falsa e leviana, afirmou que havia um mandado de prisão aberto em desfavor do Sr. Fábio Pereira Gonçalves. (…) Não existe qualquer mandato de prisão contra a vítima”, diz o MP.

Os investigadores apontam que os policiais pediram R$ 50 mil para não “plantarem” drogas e armas no veículo de Fábio, o que poderia ser usado para incriminar o empresário.”[Eles] praticaram atos de extorsão mediante graves ameaças, quais sejam, de morte e de incriminação, por flagrante forjado com drogas e armas”, diz trecho da denúncia.

Após cerca de 4 horas, sem conseguir receber dinheiro em espécie, os policiais militares fizeram o empresário transferir R$ 6,4 mil, via PIX, para a conta de José Alissom Ferreira, o irmão do cabo Carlos Henrique. Segundo os promotores de Justiça, esse dinheiro passou por pelo menos três contas bancárias antes de ser dividido entre os PMs que abordaram o empresário.

O MP afirma que José Alissom ficou com R$ 100 e transferiu R$ 6,3 mil para Carlos Henrique. O cabo da PM tirou R$ 540 para ele e transferiu R$ 5,7 mil para Ivan, que não obteve nenhum valor. O ex-agente penitenciário enviou o valor para a conta de Adrianny, esposa do tenente Lourenço. O oficial ficou com R$ 1,4 mil e dividiu R$ 4,3 mil entre os cabos Sebastião, Jessé e David.

As investigações apontam que Ivan, José, Carlos e Adrianny cederam suas contas bancárias para dificultar a apuração sobre a origem ilícita do dinheiro. “[Os PMs] decidiram por bem tratar, desde logo, os valores obtidos criminosamente passando por contas de terceiros, em sucessivas operações, para dificultar a identificação da origem ilícita dos valores”, diz o MP.

Na denúncia, o MP relata que o empresário viveu momentos de terror nas mãos dos policiais. “Sua abordagem pela equipe policial durou em torno de 4h (quatro horas), nas quais passou pelo terror da incerteza quanto à sobrevivência e, debaixo de gravíssimas ameaças, sofreu extorsão e entregou valores, via transações bancárias, aos agentes públicos criminosos”, diz o MP.

Segunda extorsão

De acordo com o MP, o tenente Lourenço e os cabos Sebastião, Jessé e David voltaram a extorquir Fábio no dia 18 de maio. Eles passaram nas proximidades de uma tabacaria que o empresário estava inaugurando e o chamaram para uma rua periférica na parte de trás do estabelecimento. Lá, usando balaclava para cobrir o rosto, os PMs tomaram R$ 4 mil em espécie do empresário.

“[Fábio] encontrou os indivíduos de balaclava, os quais exigiram pagamento e ele entregou R$ 4.000,00 em espécie, que havia levado ao local para pagamentos relacionados a funcionários e a nova loja que iria inaugurar. Mesmo com seus rostos cobertos, a vítima declarou ao Ministério Público que teria quase 100% de certeza que se tratavam dos mesmos policiais”, diz o MP.

Para o Ministério Público, os agentes atuam de “forma a macular e envergonhar a imagem da Polícia Militar, do Sistema de Segurança Pública e de todo o Estado do Amazonas”. Eles praticam extorsões mediante graves ameaças e incriminação injusta e até de morte, para conseguirem dinheiro, de preferência em espécie, de modo a “dificultar os rastros de atuação criminosa”.

Após a segunda extorsão, o empresário pediu proteção à 30ª Cicom (Companhia Interativa Comunitária), que disponibilizou viatura 24 horas por dia, por cerca de dois ou três dias seguidos, nas proximidades da tabacaria e da residência dele. A medida, no entanto, não impediu os PMs que praticaram a extorsão de voltar a passar pelo local.

“Mesmo com a guarnição da PM no local, alguns policiais do mesmo grupamento que realizou as ocorrências criminosas chegaram a ir ao endereço da vítima no dia 25.05.2022, revelando o extremo perigo que corriam naquele momento, e talvez ainda corram a vítima e sua esposa, mesmo agora após a prisão dos quatro policiais militares”, afirmou o MP.

Confissão

Na Operação Pundonor, deflagrada no dia 30 de maio, os investigadores apreenderam o celular do tenente Lourenço e encontraram mensagens nas quais, em conversa com a esposa no dia 25 de maio, ele confessa a extorsão contra o empresário e afirma que esse tipo de abordagem “era desenvolvida por ele e, evidentemente, sua equipe, diariamente”.

“Informação que foi recebida de forma normal pela esposa, que parece ter plena consciência das práticas do marido, pois chegou até a perguntar se não era ‘operação padrão’ e se ele ia ser ‘julgado por isso’, como se corrupção e criminalidade fosse algo legítimo e autorizado somente por ser prática criminosa habitual”, diz o MP.

Os prints da conversa que o ATUAL teve acesso mostram Lourenço dizendo para esposa dele que havia uma denúncia “gravíssima” contra a equipe dele e que todos estavam “preocupados com o desfecho disso”. A mulher pergunta se o fato denunciado aconteceu e ele responde: “diariamente”. E completa: “Não esperávamos que fosse ter denúncia porque se tratava de um vagabundo”.

No cumprimento dos mandados de busca e apreensão, o Gaeco apreendeu com os PMs diversas armas de fogo, armas de brinquedo, munições, drogas e até documentos de identificação, como CNH e RG, que estão sendo analisados pelos investigadores. Para os promotores de Justiça, o material fortalece os indícios de que existe uma organização criminosa.

“Foram arrecadados celulares, notebooks, armas de fogo, simulacros de arma de fogo, munições diversas, placas de veículos, documentos de identificação de diversas pessoas, entre outros objetos que fortalecem as evidências, em especial no sentido da preexistência de uma organização criminosa com todos os requisitos descritos pela Lei nº 12.850/13”, diz o MP.