PF aponta que atual Abin tentou constranger Flávio Dino para dificultar investigações sobre escândalo da “Abin paralela”

Flavio Dino durante o segundo dia de julgamento no STF sobre trama golpista — Foto: Antonio Augusto/STF

Brasília – Em um novo capítulo da investigação sobre o escândalo da Abin paralela, a Polícia Federal revelou, em relatório final, que integrantes da atual gestão da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – nomeada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva – tentaram construir um fato político contra o ministro do STF Flávio Dino, com o objetivo de embaraçar as investigações sobre o uso indevido da ferramenta de espionagem First Mile durante o governo Bolsonaro.

De acordo com a PF, a articulação envolveu dois integrantes do alto escalão da Abin: Alessandro Moretti, ex-diretor-adjunto, e Marcelo Furtado, então chefe do Departamento de Operações. Em um diálogo ocorrido em outubro de 2023, Furtado encaminhou a Moretti dados de um contrato firmado em 2017 pelo governo do Maranhão — período em que Flávio Dino era governador — para aquisição de um sistema de inteligência. A intenção, segundo os investigadores, seria tentar vincular Dino ao uso da mesma tecnologia suspeita.

“O contexto converge com o cenário já delineado, no qual havia um ambiente que permitiu a Marcelo Furtado encaminhar um fato que pudesse ser usado politicamente contra o então ministro da Justiça, Flávio Dino, para causar embaraço à apuração”, afirma o relatório.

O trecho considerado mais contundente pela PF aponta que o simples interesse de Moretti (“Vou dar uma olhada”) já demonstra envolvimento direto na tentativa de manipulação política. Ambos os servidores foram afastados de seus cargos por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Nem Flávio Dino, nem a Abin comentaram o conteúdo do relatório.

Atual chefe da Abin também é alvo: PF aponta tentativa de obstrução

O relatório vai além. A PF acusa o atual diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, de atuar para desacreditar e dificultar a própria investigação. Segundo o documento, Corrêa teria usurpado o cargo antes de ser oficialmente nomeado, participou de reuniões sigilosas com investigados e tentou blindar Paulo Maurício Fortunato Pinto, ex-número 3 da agência e apontado como peça central da organização criminosa instalada no órgão.

Apesar do indiciamento por obstrução de justiça, prevaricação e coação no curso do processo, o presidente Lula decidiu mantê-lo no cargo. Segundo auxiliares do Planalto, o indiciamento não foi considerado motivo suficiente para demissão imediata, mas o caso será acompanhado de perto.

Rede de proteção e manipulação interna

Em março de 2023, Corrêa participou de uma reunião decisiva com Paulo Maurício e Moretti, na qual, conforme o relatório da PF, foi arquitetada uma estratégia para “baixar a fervura” e evitar buscas e apreensões. Os envolvidos chegaram a montar uma comissão interna para controlar depoimentos, evitar colaborações espontâneas e unificar o discurso entre os servidores.

Ainda segundo os investigadores, houve tentativa de interferência direta na corregedoria da Abin para desacreditar a investigação, classificada internamente como “política”.

“A insatisfação com quem colaborava com a apuração era clara. O diretor-geral da Abin chegou a defender, em tom agressivo, uma ‘intervenção na corregedoria’”, detalha o relatório.

Sistema First Mile e uso político da Abin voltam ao centro do escândalo

O escândalo da “Abin paralela” gira em torno do uso clandestino do software espião First Mile, que foi empregado durante o governo Bolsonaro sem qualquer controle judicial ou institucional. A ferramenta permitia o rastreamento em tempo real de dispositivos, e teria sido usada para monitorar jornalistas, políticos e até ministros do STF.

Mensagem interceptada pela PF demonstra tentativa de embaraçar a investigação, segundo relatório — Foto: Reprodução

O inquérito foi instaurado em janeiro de 2023, por ordem de Flávio Dino, à época ministro da Justiça, após reportagens revelarem o uso indevido da tecnologia. Desde então, a investigação revelou uma estrutura criminosa dentro da Abin, com atuação de servidores federais e oficiais de inteligência.