PF pediu prisão de Torres com base em relatório que cita omissão no DF

O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, pediu a prisão do ex-secretário de Segurança do Distrito Federal Anderson Torres com base em um relatório produzido pela área de inteligência da corporação.

O documento descreve os acontecimentos do dia 8 de janeiro que culminaram com a depredação das sedes dos três Poderes e levanta a possibilidade de omissão por parte das autoridades locais “diante das informações que alertavam para os fatos vindouros”.

Andrei Rodrigues assinou às 23h22, ainda na noite de domingo, o pedido encaminhado ao juiz Airton Vieira, do gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), contra Torres e o então comandante da Polícia de Militar do DF, Fábio Augusto Vieira.

Escreveu que as manifestações antidemocráticas “alcançaram amplos níveis de violência, gerando severos danos aos bens e instituições públicas”.

“Tudo em virtude da omissão do sistema de Segurança Pública do Distrito Federal, notadamente da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal e do Comando da Polícia Militar do Distrito Federal, que não adotaram as medidas necessárias para a contenção de criminosos.”

Um dia antes dos atos golpistas, a PF havia informado o Ministério da Justiça e os órgãos de segurança sobre a intenção dos bolsonaristas em danificar os prédios públicos, como mostrou relatório publicado pelo jornal O Globo.

A PF marcou depoimento de Torres, ex-ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro (PL), na quarta-feira (18), mas ele se manteve em silêncio na ocasião. O advogado Rodrigo Roca, responsável pela defesa dele, disse que só irá se manifestar após o acesso à integra dos autos dos inquéritos que culminaram na prisão.

Roca apresentou a Moraes argumentos em defesa de Torres para tentar reverter a prisão. O criminalista classificou de “tagarelice” as acusações atribuídas ao ex-secretário de Segurança, a quem se refere como “um depositário para o revanchismo”. Disse ainda que omissão “não é algo que se possa nem mesmo cogitar no caso concreto”.

Andrei Rodrigues argumentou que a medida seria necessária em razão da gravidade dos fatos e para evitar eventuais ingerências nos trabalhos de intervenção federal na Segurança Pública do DF, decretada também naquele mesmo dia pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O relatório da Diretoria de Inteligência Policial afirmou que manifestantes chegaram a Brasília a partir de 6 de janeiro, aumentando o fluxo de veículos e pessoas no acampamento do quartel-general do Exército. Fato “identificado e alertado pelas forças de segurança pública locais e federais”.

Disse que no dia 8 os apoiadores de Bolsonaro se deslocaram do QG em direção à praça dos Três Poderes, situação também difundida pelos órgãos de Segurança Pública locais e federais. De acordo com o documento, naquele momento, já eram cerca de 4.000 manifestantes.

“Aliás, os registros de imagens mostram a PM-DF escoltando os manifestantes em direção à cúpula dos três Poderes”, afirmou a PF.

A PF destacou que a última barreira localizada no caminho da praça dos Três Poderes, composta por policiais militares convencionais, e não de controle de distúrbio civil, foi facilmente rompida pelos manifestantes.

Ilustram o relatório policial fotos da multidão em diferentes momentos desde o QG do Exército até as sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

Foram reproduzidas também no documento mensagens em grupos de aplicativos com convocação para a manifestação.

“Tudo pago. Água Café Almoço Jantar Local com banheiros, lá ficará acampado. Por favor nos ajudem [a] conseguir patriotas”, dizia uma delas.

O documento de inteligência da PF ressalta a possibilidade de inação das autoridades públicas “que tinham o dever legal de agir e eventualmente se omitiram, mesmo diante das informações que alertavam para os fatos”.

Na decisão em que acatou o pedido da PF, Alexandre de Moraes disse que os fatos narrados na investigação “demonstram uma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas”.

Em documento anexado aos autos, o advogado Rodrigo Roca afirmou que toda a logística para o monitoramento da manifestação foi preparada por todos os órgãos ligados à rotina e que um protocolo foi firmado em 6 de janeiro e posto em prática imediatamente.

“Como se pode perceber, tudo o que competia à secretaria –e ao secretário [Torres], claro– foi feito de antemão e em tempo hábil para a ação de todos”, disse.

Ele afirmou ainda, com base no regimento da Secretaria de Segurança, que não cabe ao titular do posto dimensionar a quantidade de agentes policiais ou mesmo de maquinário para a execução de protocolos de segurança.

Responsável pelo pedido que levou Torres, um delegado federal, para a cadeia, Andrei Rodrigues, tem chamado a atenção pela atuação direta junto ao STF.

O chefe da PF já fez ao menos dois pedidos direcionados a Moraes: além da prisão do ex-secretário da Segurança, o pedido de bloqueio de 14 perfis nas redes sociais suspeitos de espalhar fake news.

Geralmente, os delegados responsáveis pelos inquéritos em curso na corte é que solicitam as diligências que consideram necessárias para a evolução das investigações.

Internamente, a iniciativa de Rodrigues gerou críticas. Integrantes da polícia afirmam que o diretor-geral exerce, em tese, apenas um cargo administrativo e que não seria adequado a interferência dele em investigações que já têm um delegado responsável.

Por meio da assessoria, Rodrigues afirmou que os ministros podem “determinar à autoridade policial a realização de diligências e a apresentação de peças informativas necessárias à investigação”.

“A dimensão e a gravidade dos atentados sem precedentes ocorridos em Brasília nos últimos dias exigiram a resposta urgente da Polícia Federal, prontamente providenciada pelo envio de expedientes de sua direção-geral ao Supremo Tribunal Federal, onde tramitam procedimentos para apurar a prática de atos antidemocráticos contra as instituições brasileiras”, disse.

 

Constança Rezende/Marcelo Rocha/Matheus Teixeira/Folhapress