Relatório da Polícia Federal sobre envio de propina da Odebrecht para o ministro Eliseu Padilha é fatal

Ao concluir o inquérito que investiga o pagamento de R$ 14 milhões da Odebrecht ao grupo político do presidente Michel Temer, a Polícia Federal traçou o roteiro completo de quatro entregas de dinheiro a emissários do chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, em Porto Alegre.

No sistema da propina da empreiteira corrupta baiana Odebrecht ele é registrado pela alcunha de “Fodão”.
No relatório da Polícia Federal, concluído em 4 de setembro e enviado ao Supremo Tribunal Federal no dia seguinte, o delegado federal Thiago Delabary reconstrói em detalhes o repasse de R$ 2,062 milhões no escritório de Padilha e na empresa de um doleiro.
Os agentes federais cruzaram depoimentos de personagens do esquema com mapeamento do uso de celulares e dos veículos empregados na operação. Padilha e Temer foram indiciados por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O ministro Moreira Franco (Minas e Energia), por corrupção passiva. O relator do processo no STF, ministro Edson Fachin, deu prazo até 27 de setembro à Procuradoria-Geral da República para decidir se vai apresentar denúncia contra os três.
A investigação começou com a delação premiada da empreiteira baiana muito corrupta e corruptora Odebrecht. Ao confessar crimes cometidos na campanha de 2014, dirigentes da construtora narraram o envolvimento de Eliseu Padilha em dois episódios. O primeiro é o suborno de R$ 4 milhões prometidos a Moreira Franco, no início daquele ano, em troca da concessão do aeroporto do Galeão (RJ). A Polícia Federal diz que cota de R$ 1,062 milhão foi destinada a Eliseu Padilha em março. No segundo caso, teria recebido fatia de R$ 1 milhão, de um total de R$ 10 milhões, para campanhas do MDB, cujo acerto teria sido feito na presença do próprio Temer, em jantar realizado em 28 de maio de 2014 no Palácio do Jaburu. Eliseu Padilha, conforme a Polícia Federal, enviou um assessor para recolher o dinheiro junto a um doleiro em agosto de 2014.

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Nos dois pagamentos, a Polícia Federal afirma que o modus operandi foi o mesmo: a) executivos da Odebrecht acionaram o setor de Operações Estruturadas, o departamento de propina da empreiteira; b) a encarregada do setor repassou o serviço a um doleiro do Rio de Janeiro; c) o doleiro encomendou a entrega do suborno, em dinheiro vivo, a uma empresa de transporte de valores; d) um funcionário da empresa alugou um carro e viajou com um colega, do Rio de Janeiro até Porto Alegre; e) na capital gaúcha a entrega foi feita em dois dias diferentes, sempre em parcelas de cerca de R$ 500 mil.
Esta é a sequência que a Polícia Federal afirma ter ocorrido em março de 2014. Conforme o inquérito, o então diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, José de Carvalho Filho, contou em depoimento ter se reunido com Eliseu Padilha em Brasília, quando o ministro forneceu o endereço onde o dinheiro deveria ser entregue em Porto Alegre. Registros da empreiteira entregues à Polícia Federal apontam como local o escritório político de Padilha na capital gaúcha, situado na Rua Siqueira Campos, no centro, no prédio conhecido como Edifício da Paineira (na calçada há uma enorme e antiga árvore). No Setor de Operações Estruturadas, a senha para a liberação do R$ 1,062 milhão era “Sardinha” e seu beneficiário, “primo”. Carvalho Filho, a operadora do sistema, Maria Lúcia Tavares, o doleiro Claudio Fernando Barboza de Souza, o Tony, e os dois entregadores da empresa de valores admitiram à Polícia Federal participação no pagamento. Tony forneceu extratos da transação, as senhas e datas da entrega do dinheiro. Todas batiam. Segundo ele, a primeira parcela foi de R$ 500 mil, pagos em 14 de março de 2014 sob a senha “feijão campeiro”. A segunda, de R$ 562 mil, dia 19 de março de 2014, com a senha “feijão preto”. Cruzamentos feitos pela Polícia Federal no sistema do doleiro com o da Odebrecht mostraram coincidência dos valores dos códigos “feijão preto” e “feijão campeiro” com o da senha “sardinha”.
Os agentes também localizaram os responsáveis pela entrega da propina, Wildes Beserra de Almeida e José Walber Francisco dos Santos, e os carros usados na operação, dois Sandero alugados na mesma firma, placas OQT-9338 e OQN-6169. A medição do odômetro dos veículos e registros das passagens por postos da Polícia Rodoviária Federal corroboram a apuração dos investigadores. O delegado escreve que “os diversos fatos praticados claramente em cadeia, desde a solicitação do ministro Moreira Franco até a chegada dos valores ao destinatário em Porto Alegre, com estrita dependência lógica e conformidade cronológica, moldam circunstância que autoriza a presunção de que o dinheiro tenha sido encaminhado no interesse do ministro Eliseu Padilha e recebido por alguém a sua ordem”.
Cinco meses depois dessa operação ocorreu a segunda remessa de dinheiro a Eliseu Padilha em Porto Alegre. Nos registros do sistema MyWebDay, da Odebrecht, o sistema dos registros da corrupção da construtora baiana, a transação está vinculada ao codinome “Angorá”, e deveria ser quitada em uma empresa situada na Avenida Ceará, com “Antônio Cláudio ou Fernando”. No endereço citado funciona a Planitrade Assessoria Comércio e Representação, empresa cujo dono é Antônio Cláudio de Albernaz Cordeiro, o Tonico, doleiro conhecido preso duas vezes na Operação Lava-Jato, a primeira por prestar serviços ilegais à Odebrecht e a segunda por atuar no mercado negro de câmbio. Tonico Albernaz Cordeiro é delator premiado. Em depoimento à Polícia Federal, disse ter recebido em 2014 telefonema do executivo Fernando Migliaccio. Na conversa, o diretor da empreiteira lhe ordenou o repasse de R$ 1 milhão, em duas parcelas. Tonico alegou que não dispunha de tal quantia mas foi tranquilizado de que o dinheiro seria levado até ele.
Para tanto, a Odebrecht acionou Tony mais uma vez. De novo, o doleiro apresentou extratos apontando o envio a Porto Alegre de R$ 500 mil em 15 de agosto de 2014 e mais R$ 500 mil três dias depois, ambos sob a senha “Tonico”. A Polícia Federaldescobriu que o entregador era o mesmo de uma das remessas de março: José Walber Francisco dos Santos. Em depoimento, ele afirmou ter “certeza absoluta” de que entregou o dinheiro no escritório da Av. Ceará. Os agentes identificaram o hotel onde ele se hospedou em Porto Alegre e, mais uma vez, rastrearam sua viagem desde o Rio de Janeiro. De acordo com a investigação, quem esteve no escritório de Tonico para pegar as duas parcelas de R$ 500 mil foi Ibanez Filter, homem da extrema confiança de Eliseu Padilha, que marca presença constante em seu escritório no edifício da Paineira. Nos últimos anos, por indicação de Eliseu Padilha, Ibanez Filter foi nomeado diretor de Administração e Finanças do Grupo Hospitalar Conceição, mas foi defenestrado deste cargo pelo Ministério Público, e atualmente é Diretor de Governança da Ceitec, fábrica estatal de semicondutores. A Polícia Federal também diz no inquérito que ele aparece como sócio do ministro Eliseu Padilha na Gaivota Participações, cuja sede fica no escritório da Siqueira Campos, onde teriam sido entregues duas parcelas de propina da Odebrecht.
Ibanez também foi indiciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Os policiais registram no inquérito três telefonemas entre ele e o doleiro Tonico Albernaz Cordeiro justamente nas datas das entregas da propina. Antenas de telefonia celular comprovam a presença de Ibanez Filter na região do escritório do doleiro Tonico Albernaz Cordeiro. Reforçam as suspeitas 14 ligações trocadas entre personagens da operação no dia 15 de agosto, entre eles, Eliseu Padilha, Ibanez Filter, Tonico Albernaz Cordeiro e três executivos da Odebrecht.
Para o delegado federal Delabary, a frenética troca de telefonemas se dá por causa do atraso na chegada do dinheiro ao escritório do doleiro Tonico Albernaz Cordeiro. Segundo relato do doleiro, Ibanez Filter “manifestou-se muito contrariado” em ter de aguardar a chegada dos valores. “Os elementos reunidos a respeito deste episódio mostram-se suficientes, em sede indiciária, para apontar o recebimento pelo ministro Eliseu Padilha, através de seu assessor Ibanez Filter, de R$ 1 milhão encaminhados pela Odebrecht, em desdobramento do quanto ajustado em 28/05/2014, em jantar na residência oficial da Vice-Presidência da República”, escreveu Delabary no inquérito.