De olho nos Ruralistas
Chico Rodrigues e Mecias de Jesus, ambos de Roraima, foram autuados por desmatamento em 2006 e não pagaram valor das infrações; parlamentar propôs PL que concede 10% de desconto e elimina multas por atraso para infratores ambientais
Por Carolina Bataier
Juntos, os senadores Chico Rodrigues (PSD-RR) e Mecias de Jesus (Republicanos-RR) devem um valor total de R$ 547.700,00 em infrações ambientais para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama). Corrigido pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), o valor pode chegar a R$ 1.453.621,27. As penalidades foram aplicadas em 2006, no estado de Roraima.
Chico Rodrigues, um dos titulares da comissão, foi autuado por desmatar 629 hectares de floresta na Fazenda Cacimba Nova, no município de São Luiz do Anauá, em maio de 2006. De acordo com informações disponibilizadas pelo Ibama, a área foi convertida em pastagem. A multa de R$ 189 mil nunca foi paga e o processo está ajuizado.
Mecias, por sua vez, soma uma dívida com o Ibama no valor de R$ 358.700,00 — que, corrigido pelo IGP-M, chega a R$ 1.183.702,14. Em março de 2006, ele recebeu duas autuações, uma por desmatar e outra por atear fogo numa área de 121 hectares de floresta nativa em Caroebe, município vizinho de São Luiz do Anauá, na região oeste de Roraima. As multas tinham valor de R$ 183 mil e R$ 122 mil, respectivamente.
O parlamentar também foi autuado por impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação, de acordo com documentação da autarquia, com sanção no valor de R$ 53.700,00. As multas ainda não foram pagas e as ações tramitam na Justiça.
Mecias de Jesus passou a compor o quadro de parlamentares da CPI das ONGs em 31 de maio de 2023, quando foi designado membro suplente em substituição à senadora Tereza Cristina (PP-MS). Em 24 de outubro, ele deixou de compor a comissão, sendo trocado pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF).
Após três meses de trabalhos, a CPI apresentou hoje (5) seu relatório final, pedindo o indiciamento do presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Mauro Oliveira Pires. O documento também pede a revisão na Lei Geral de Licenciamento Ambiental para flexibilizar as condicionantes para realização de obras na Amazônia. O relatório será votado na próxima semana.
MECIAS PROPÔS PL PARA ALIVIAR SANÇÕES DO IBAMA
De autoria do senador Mecias de Jesus, o Projeto de Lei nº 3.475/2021 propõe a renegociação das dívidas com o Ibama para donos de pequenas propriedades rurais. O PL propõe desconto de 10% do valor do débito e redução de 100% das multas por atraso e de ofício, entre outras facilitações. Os beneficiados pelo projeto são pessoas cujas propriedades não ultrapassem 440 hectares.
“Quem preserva a Amazônia somos nós, caboclos da Amazônia”, justificou Mecias, em sessão realizada no dia 20 de junho. “Ninguém mais do que nós queremos a preservação da Amazônia”.
Em sua declaração de bens apresentada à justiça eleitoral em 2018, o senador roraimense informou ter dois lotes de terra na Gleba Jauaperi, no município de São João da Baliza, localizado entre Caroebe e São Luiz do Anauá. Cada uma das propriedades tem 17,5668 hectares e valor de R$ 15 mil. Na declaração de bens de 2006, ano das autuações, Mecias informou ter um imóvel rural no valor de R$ 15 mil, com localidade não informada. Naquele ano, ele também disse ser dono de 800 cabeças de gado.
A gleba onde o senador possui terras integra a área pretendida para a criação da Floresta Nacional (Flona) Jauaperi. Em 2021, Mecias se reuniu com o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça — hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) — para pedir a exclusão da Flona do Decreto nº 6.754/2009, que transfere terras da União para o estado de Roraima mediante sua transformação em unidades de conservação.
Em abril de 2023, uma investigação da ONG Transparência Brasil apontou as relações do parlamentar com garimpeiros invasores de terras indígenas em Roraima. Segundo o relatório, o ex-coordenador do Distrito de Saúde Indígena (DSEI) Yanomami, Rômulo Pinheiro de Freitas, indicado por Mecias, contratou com dispensa de licitação a empresa Piquiatuba Táxi Aéreo Ltda, apontada pelo Ministério Público Federal (MPF) como um dos braços do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. A mesma empresa foi beneficiada por Mecias em uma contratação realizada pelo governo federal. Freitas foi o responsável pela gestão do DSEI durante a crise sanitária que vitimou pelo menos 570 crianças menores de cinco anos.
O senador é autor do PL nº 1331/2022, que libera a pesquisa e concessão de lavra garimpeira a terceiros dentro de terras indígenas.
FAZENDA DESMATADA É OMITIDA EM DECLARAÇÕES DE BENS
O senador Chico Rodrigues mantém uma participação discreta nas reuniões da CPI. Em um dos poucos momentos de destaque, na audiência realizada no dia 31 de agosto, em São Gabriel da Cachoeira (AM), Rodrigues compôs a mesa, ao lado do presidente da comissão, Plínio Valério (PDSB-AM) e do relator Márcio Bittar (União-AC).
Ele acompanhou os colegas ao se posicionar favorável ao afrouxamento das restrições de desmatamento na Amazônia. “O estado tem menos de 10% do seu território de 222 milhões de hectares disponíveis para a atividade econômica”, disse, ao falar sobre Roraima. “Campos naturais imensos, riquíssimos, e os incentivos são dificultados para que o índio não se emancipe, não se desenvolva”, completou.
Em 2020, durante uma operação da Polícia Federal (PF), Rodrigues foi flagrado escondendo R$18 mil na cueca. O parlamentar é acusado de participar de um esquema de desvio de recursos públicos da Secretaria de Saúde de Roraima, com o propósito de beneficiar empresas de aliados na contratação de kits de testes rápidos para a detecção do Covid-19. Segundo relatório da PF, protocolado junto ao STF, o esquema contava com a participação de Mecias de Jesus e de seu filho, o ex-deputado e atual ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR). Os dois negam as acusações.
Em sua declaração de bens mais recente, apresentada à Justiça Eleitoral em 2018, Rodrigues informou ser proprietário das fazendas Serrinha I e II, ambas em São Luiz do Anauá, município de 7.315 habitantes. Cada uma das propriedades aparece na declaração com o valor de R$ 10 mil. Naquele ano, o senador declarou um patrimônio no valor total de R$ 1.999.315,15.
Embora conste em seu nome na base do Sistema de Gestão Fundiária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Sigef/Incra), a Fazenda Cacimba Nova não aparece nas declarações de bens de Rodrigues. Em 2006, ano da autuação do Ibama, quando disputava o cargo de deputado federal, o candidato declarou patrimônio no valor de R$1.541.575,79. As fazendas Serrinha I e II já apareciam na lista, com o mesmo valor apresentado em 2018: R$ 10 mil cada uma.