Servidor da PRF revela no STF que corporação recebeu ordem para “tomar um lado” nas eleições de 2022

Depoimento cita interferência política nas abordagens a ônibus e vans durante o segundo turno; ministro Alexandre de Moraes adverte general por contradições

O ex-coordenador de inteligência da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Adiel Pereira Alcântara, afirmou em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (19) que a corporação recebeu ordens para intensificar abordagens direcionadas a eleitores do Nordeste durante o segundo turno das eleições de 2022. Segundo ele, a instrução partiu do então diretor de operações, Djairlon Henrique Moura, com aval do diretor-geral da PRF à época, Silvinei Vasques, hoje réu por suposta interferência no pleito.

“Está na hora da PRF tomar um lado”, teria afirmado Moura, de acordo com o testemunho de Adiel, que foi ouvido como testemunha de acusação na ação penal que investiga a tentativa de golpe de Estado para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder, mesmo após a derrota nas urnas.

Abordagens seletivas e destino ao Nordeste

O ex-coordenador detalhou que a ordem envolvia reforçar blitze em ônibus e vans com origem em estados do Sudeste (Goiás, São Paulo, Minas e Rio de Janeiro) e destino ao Nordeste, reduto eleitoral do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. A justificativa oficial citava o “aumento de acidentes em feriados”, mas Adiel disse ter estranhado o direcionamento e relatou resistência à ordem.

“Eu não me convenci, e deixei isso claro. Foi quando ouvi: ‘Tem coisas que são, e tem coisas que parecem ser. Está na hora da PRF tomar um lado’”, relatou Adiel ao STF.

Ele afirmou ainda que a ordem foi reiterada no dia seguinte, durante reunião entre diretores de inteligência regionais, quando o inspetor Reischak — então diretor de inteligência — repassou a determinação a chefes estaduais.

Moraes pressiona general por contradições sobre minuta do golpe

Durante a mesma audiência, o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal, advertiu o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, por apresentar versões diferentes sobre uma reunião com o então presidente Jair Bolsonaro e outros comandantes das Forças Armadas.

Alexandre de Moraes durante leitura de seu voto na 1ª Turma do STF — Foto: Antonio Augusto/STF

Moraes apontou contradições entre o depoimento atual e o prestado à Polícia Federal em março de 2024, sobre o conhecimento de uma minuta golpista apresentada por Bolsonaro.

“Ou o senhor mentiu à Polícia Federal ou está mentindo agora ao STF. A testemunha não pode falsear a verdade”, declarou Moraes, em tom enfático.

Freire Gomes respondeu afirmando que foi contrário a qualquer iniciativa inconstitucional e que “jamais mentiria com 50 anos de Exército”. Ele disse que o almirante Garnier (Marinha) “se colocou com o presidente”, mas que não poderia inferir se isso significava apoio ao golpe.

Entenda o caso: ação penal no STF investiga tentativa de golpe de Estado após eleições 2022

A ação penal em curso no STF apura a existência de uma conspiração golpista para reverter o resultado das eleições presidenciais de 2022. A denúncia, feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR), aponta o uso de recursos da PRF e do Ministério da Justiça para dificultar o voto de eleitores presumivelmente favoráveis a Lula.

Entre os réus estão Jair Bolsonaro, Braga Netto e Silvinei Vasques. Neste estágio da ação, são ouvidas testemunhas de acusação indicadas pela PGR, entre elas:

  • Adiel Pereira Alcântara (PRF)
  • Marco Antônio Freire Gomes (Exército)
  • Carlos de Almeida Baptista Júnior (Aeronáutica)
  • Clebson Vieira (servidor do MJ)
  • Éder Balbino (empresário envolvido com material contra urnas)

A audiência foi presidida por Alexandre de Moraes, com participação dos ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino, todos da Primeira Turma do STF, responsável pelo julgamento do caso.