ADI – 6719
STF limita reeleição nas mesas diretoras de Assembleias Legislativas de PB, AC e AM
STF limita reeleição nas mesas diretoras de Assembleias Legislativas de PB, AC e AM
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, aplicou entendimento firmado para impedir eleições sucessivas e ilimitadas, para o mesmo cargo e dentro da mesma legislatura, para as mesas diretoras das Assembleias Legislativas da Paraíba, do Acre e do Amazonas.
O colegiado julgou três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 6.713, 6.716 e 6.719) sobre o tema, ajuizadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, em sessão virtual encerrada em 17/12.
O procurador-geral argumentou que as medidas violam o princípio republicano e o pluralismo político em todas as ações ajuizadas contra leis estaduais e do Distrito Federal sobre eleições sucessivas para o comando de casas legislativas.
Destacou nas ações que deve prevalecer o princípio da simetria para que estados e DF sigam o postulado no artigo 57, parágrafo 4º da Constituição Federal. O dispositivo veda a reeleição de membros da mesa diretora das casas legislativas do Congresso Nacional dentro de uma mesma legislatura.
Em seu voto, o ministro Edson Fachin (relator) lembrou o julgamento da ADI 6.524, quando a Corte, por maioria, decidiu pela impossibilidade de recondução dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para o mesmo cargo, na eleição imediatamente subsequente, dentro da mesma legislatura.
Segundo ele, desde então o Tribunal tem recebido uma série de ações voltadas a esclarecer a aplicabilidade desse entendimento do STF no âmbito estadual, municipal e distrital. Destacou que segundo jurisprudência consolidada da Corte essa regra não é de reprodução obrigatória para os estados-membros.
No entanto, afirmou que a reeleição em número ilimitado para os mesmos cargos em mandatos consecutivos é inconstitucional, pois contraria os princípios republicano e democrático, os quais, segundo a maioria, “exigem a alternância de poder e a temporariedade desse tipo de mandato”.
Assim, o ministro Edson Fachin, seguido por maioria, votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal aos dispositivos questionados das leis estaduais, a fim de permitir uma única eleição dos membros de sua mesa diretora, para os mesmos cargos em mandatos consecutivos. Com informações da assessoria do STF.
ADI 6.716
ADI 6.719
ADI 6.713
Inteiro Teor
Supremo Tribunal Federal
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18/12/2021 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.719 AMAZONAS
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO
DO AMAZONAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DO AMAZONAS
AM. CURIAE. : PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT –
DIRETÓRIO NACIONAL
ADV.(A/S) : ANTÔNIO MALVA NETO
AM. CURIAE. : UNIÃO NACIONAL DOS LEGISLADORES E
LEGISLATIVOS ESTADUAIS – UNALE
ADV.(A/S) : ANDRÉ BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI
ADV.(A/S) : ALBERTO BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI
Ementa : DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 21, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DO ESTADO DO AMAZONAS. REELEIÇÃO DE MEMBROS DA MESA DIRETORA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS REPUBLICANO E DO PLURASLISMO POLÍTICO. INEXISTÊNCIA, DESDE QUE LIMITADA A UMA ÚNICA RECONDUÇÃO PARA O MESMO CARGO.
1. A jurisprudência deste Tribunal é firme no sentido de que a regra contida no artigo 57, § 4º, da Constituição Federal não representa concretização do princípio republicano, razão pela qual não se traduz em norma de reprodução obrigatória pelos Estados-membros. Precedentes.
2. A reeleição em número ilimitado em mandatos consecutivos é, no entanto, inconstitucional, porque contrária aos princípios democráticos que exigem a alternância de poder e a temporariedade desse tipo de mandato.
3. Ainda que não se aplique o princípio da simetria no que tange ao artigo 57, § 4º, da CRFB, a reeleição dos dirigentes do Poder Legislativo estadual deve observar o denominador comum hoje disposto no art. 14, §
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ADI 6719 / AM
5º, da Constituição Federal – isto é, a permissão de reeleição por uma única vez.
4. A aplicação da Constituição Federal às eleições das casas legislativas dos Estados assegura-lhes, nos termos da jurisprudência deste Tribunal, um limitado espaço de autonomia: de um lado, afasta-se o veto absoluto às reeleições, de outro, impõe-se-lhes a vedação de sucessivas reconduções.
5. Ação direta julgada parcialmente procedente para fixar interpretação conforme à Constituição ao artigo 21, § 3º, da Constituição Estadual do Estado do Amazonas, a fim de permitir uma única reeleição dos membros de sua Mesa Diretora, para os mesmos cargos em mandatos consecutivos.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário de 10 a 17 de dezembro de 2021 , sob a Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em julgar parcialmente procedente a ação para fixar interpretação conforme à Constituição ao artigo 21, § 3º, da Constituição Estadual do Estado do Amazonas, a fim de permitir uma única reeleição dos membros de sua Mesa Diretora, para os mesmos cargos em mandatos consecutivos, e fixar as seguintes teses de julgamento: “1. O art. 57, § 4º, da CF, não é norma de reprodução obrigatória por parte dos Estadosmembros. 2. É inconstitucional a reeleição em número ilimitado, para mandatos consecutivos, dos membros das Mesas Diretoras das Assembleias Legislativas Estaduais para os mesmos cargos que ocupam, sendo-lhes permitida uma única recondução”, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, que julgavam integralmente procedente a ação. Os Ministros Nunes Marques e Gilmar Mendes acompanharam o Relator com ressalvas.
Brasília, 18 de dezembro de 2021.
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ADI 6719 / AM
Ministro EDSON FACHIN
Relator
Documento assinado digitalmente
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Relatório
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18/12/2021 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.719 AMAZONAS
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO
DO AMAZONAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DO AMAZONAS
AM. CURIAE. : PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT –
DIRETÓRIO NACIONAL
ADV.(A/S) : ANTÔNIO MALVA NETO
AM. CURIAE. : UNIÃO NACIONAL DOS LEGISLADORES E
LEGISLATIVOS ESTADUAIS – UNALE
ADV.(A/S) : ANDRÉ BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI
ADV.(A/S) : ALBERTO BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, proposta pelo Procurador-Geral da República, em face do artigo 21, § 3º, da Constituição do Estado do Amazonas, que dispõe acerca da recondução de membros da mesa diretora da Assembleia Legislativa do Estado. Eis o teor do referido diploma:
“Art. 21. § 3º A Assembleia Legislativa é administrada por uma Mesa Diretora, composta por dez cargos, com denominação e atribuições estabelecidas no Regimento Interno do Parlamento, permitida a recondução de membro da Mesa para idêntico cargo, na mesma legislatura .” (grifou-se).
Defende o requerente que a norma impugnada vulnera os princípios republicano e do pluralismo político, insculpidos no artigo 1º, caput, e artigo 1º, V, da CRFB, porquanto permite a perpetuação indeterminada de parlamentares em vagas da cúpula do Legislativo.
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Relatório
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Sustenta que a Constituição Federal, em seu art. 57, § 4º, veda a recondução de membros integrantes da mesa diretora de ambas as casas do Congresso Nacional. Assim, com base no princípio da simetria (art. 25 da CRFB), conclui que tal vedação deveria ser observada pelas demais assembleias legislativas estaduais e municipais, bem como pela Câmara Distrital.
Aponta que este Supremo Tribunal, em um primeiro momento, teria consolidado o entendimento de que o comando constitucional previsto pelo artigo 57, 4º, da CRFB, não se consubstanciaria em norma de reprodução obrigatória. Tal compreensão, no entanto, teria sido alterada quando do recente julgamento da ADI n. 6.524/DF, de relatoria do e. Min. Gilmar Mendes.
Requer, por fim, a concessão de medida cautelar para suspender os efeitos do dispositivo questionado, e, no mérito, a declaração de sua inconstitucionalidade (eDOC 1).
Em despacho datado de 03 de março de 2021, adotei o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/99, oportunidade em que solicitei informações à Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas- ALAM e ao Governador do Estado, bem como manifestações da Procuradoria-Geral da República e da Advocacia-Geral da União (eDOC 14).
Em sede de informações, o Governador do Estado afirma que a EC 110/2019, a qual ensejou a alteração do dispositivo ora em análise, foi originada a partir da assinatura de mais de um terço dos membros daquela casa legislativa, sendo investida, portanto, de valores democráticos. Aponta que, à época, os precedentes do STF indicavam expressamente que o art. 57, § 4º, da CRFB, não tinha caráter vinculante aos Estados. Defende, ainda, que a promulgação da referida emenda se deu pela necessidade de continuidade dos trabalhos iniciados pela Mesa Diretora (eDOC 28).
A Procuradoria-Geral da República manifestou-se reiterando as razões expostas na exordial (eDOC 36).
A Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas – ALAM aduz que, há mais de décadas, a jurisprudência desta Suprema Corte assegura
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Relatório
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ADI 6719 / AM
a autonomia dos Estados-membros para disporem acerca da reeleição de suas mesas diretoras legislativas. Afirma que o princípio da simetria deve ser adotado com cautela, a fim de preservar o pacto federativo.
Aponta que a ADI n. 6.524 exerceu o controle de constitucionalidade apenas no tocante à recondução parlamentar no Congresso Nacional e argumenta, por fim, que, caso acolhida a pretensão inicial, incumbe modular os efeitos da decisão, haja visto que a súbita mudança de entendimento deve resguardar a legítima expectativa dos atuais ocupantes (eDOC 38).
Por sua vez, a Advocacia Geral da União sustenta que a capacidade de auto-organização dos Estados-membros encontra limites no próprio texto constitucional. Afirma que o Estado Democrático de Direito possui, como um de seus pilares, o sufrágio popular, e que a temporalidade dos mandatos eletivos é um dos elementos caracterizadores da República.
Aponta, ainda, que as manifestações da Corte, no julgamento da ADI n. 6.524, foram no sentido de estabelecer algum limite à recondução parlamentar, seja total, ou na mesma legislatura. Conclui, assim, que se deve permitir a recondução dos membros da Mesa Diretora, desde que limitada a uma única ocasião (eDOC 40).
O Partido Democrático Trabalhista – PDT e a União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais – UNALE apresentaram pedido de ingresso no feito na condição de amicus curiae (eDOC 05 e eDOC 15), os quais acolhi, em despacho datado de 24 de maio de 2021.
É o relatório.
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Voto-MIN.EDSONFACHIN
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18/12/2021 PLENÁRIO
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V O T O
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Preliminarmente, sustenta o Partido Democrata Trabalhista – PDT, admitido no feito na condição de amicus curiae, prevenção do e. Ministro Nunes Marques.
Aponta o Partido que, encerrado o julgamento da ADI n. 6524/DF – oportunidade na qual a Corte assentou, por maioria, a impossibilidade de recondução dos presidentes das Casas do Congresso Nacional para o mesmo cargo, na eleição imediatamente subsequente, dentro da mesma legislatura –, uma série de ações objetivas foram ajuizadas com o fim de esclarecer a aplicabilidade da referida decisão no âmbito estadual, municipal e distrital.
A primeira delas, ADI n. 6629/DF, foi distribuída, por sorteio, ao referido Ministro. Nesse sentido, aponta o PDT que, conforme dispõe a Resolução n. 706/2020 do STF e o art. 59 do Código de Processo Civil, “o registro ou a distribuição da petição inicial torna prevento o juízo.”.
Alega, ainda, que, segundo o art. 77-b do RISFT, haverá distribuição por prevenção quando da coincidência total ou parcial de objetos e aduz que, malgrado não se tratem dos mesmos diplomas legais, o teor das normas impugnadas aborda idêntica questão.
Tal argumentação, todavia, não merece prosperar.
Com efeito, diversas foram as decisões proferidas por este Plenário em que se reconheceu que, embora a causa de pedir nas ações direta de inconstitucionalidade seja correlata, o que determina a prevenção do juízo é a lei examinada.
Isso porque, em ações desta natureza, a causa de pedir é aberta e o controle é objetivo, isto é, vinculado ao dispositivo na exordial alegado como inconstitucional. Nessa lógica, declara-se a prevenção somente quando da identidade total ou parcial dos objetos:
“ Ação direta de inconstitucionalidade: identidade do objeto. A preclusão da negativa de ingresso do Governador do
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ADI 6719 / AM
Estado no processo da ADIn proposta por outrem contra lei do seu Estado não elide a sua legitimação para propor nova ação direta com o mesmo objeto, distribuída por prevenção ao relator da anteriormente ajuizada. ( ADI 807 QO-QO, Relator (a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2003, DJ XXXXX-02-2004 PP-00011 EMENT VOL-02139-01 PP-00001 RJTJRS v. 47, n. 284, 2012, p. 27-30)” (grifou-se).
“ AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PREVENÇÃO. SE AÇÃO DIRETA ANTERIORMENTE AJUIZADA, JÁ DISTIBUÍDA A OUTRO RELATOR, SUSTENTA A INCONSTITUCIONALIDADE DOS MESMOS DISPOSITIVOS LEGAIS, DE CONSTITUIÇÃO ESTADUAL OU DE ATO NORMATIVO, É DE SE TER COMO CONFIGURADA A PREVENÇÃO EM FAVOR DAQUELE MINISTRO AO QUAL FOI DISTRIBUIDO O PRIMEIRO PROCESSO. ” ( ADI 218 MC-QO, Relator (a): ALDIR PASSARINHO, Tribunal Pleno, julgado em 22/03/1990, DJ XXXXX-04-1990 PP-03048 EMENT VOL-01577-01 PP-00083) (grifou-se).
“DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PREVENÇÃO DE RELATOR . LEGITIMIDADE ATIVA (ART. 103, INC. IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): ENTIDADE DE CLASSE DE ÂMBITO NACIONAL – ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO BRASIL – ADEPOL – BRASIL. SEGURANÇA PÚBLICA. POLÍCIA CIVIL. COORDENADORIA GERAL DE PERÍCIAS: COMPETÊNCIA, ATRIBUIÇÕES, ORGANIZAÇÃO (ARTIGO 136 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 10.687, DE 09.01.1996). 1. O Relator da ADI nº 151, em que se impugna o art. 136 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul tem sua jurisdição preventa para a presente ADI nº 1.414, em que o mesmo dispositivo é igualmente impugnado. 2. (…) 5. Medida cautelar, em conseqüência, indeferida. 6. Precedentes.” (ADI
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ADI 6719 / AM
1414 MC, Relator (a): SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 19/06/1996, DJ XXXXX-12-1996 PP-51765 EMENT VOL01855-01 PP-00074).
Destarte, ante a clara previsão disposta no art. 77-b do RISTF, não há falar em redistribuição do feito.
Superada a preliminar, analisar-se-á o mérito da ação.
A questão ora posta consiste na avaliação de constitucionalidade de recondução, na mesma legislatura, de membros da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas. Tal debate, por sua vez, alude a anteriores julgados deste Tribunal, no que toca à observância do comando do art. 57, § 4º, da CRFB, pelos demais entes federativos.
Sabe-se que, de acordo com o supracitado dispositivo, é vedada a recondução dos membros das Mesas Diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal na eleição imediatamente subsequente:
“Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. (…) § 4º Cada uma das Casas reunirse-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. ” (grifou-se).
Restou-se controvertido, porém, se tal comando aplicar-se-ia apenas às reeleições ocorridas na mesma legislatura ou se se estenderia ao novo exercício legislativo, findado o prazo de quatro anos previsto pelo art. 44, parágrafo único, da CRFB. A solução prevalecente foi estipulada pelo Regimento Interno da Câmara e pelo parecer n. 555 da Comissão de Constituição e Justiça – CCJ do Senado, os quais, no devido exercício de autonomia e conformação normativa, consideraram que a vedação do artigo refere-se tão somente às eleições que ocorrerem no terceiro ano da legislatura.
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Voto-MIN.EDSONFACHIN
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Tal regra, por seu turno, segundo jurisprudência consolidada por esta Corte, não se consubstancia em norma de observância obrigatória pelos Estados-membros, senão vejamos:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Ataque à expressão “permitida a reeleição” contida no inciso II do artigo 99 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, no tocante aos membros da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa . – A questão constitucional que se coloca na presente ação direta foi reexaminada recentemente, em face da atual Constituição, pelo Plenário desta Corte, ao julgar a ADIN 793, da qual foi relator o Sr. Ministro CARLOS VELLOSO. Nesse julgamento, decidiu-se, unanimemente, citando-se como precedente a Representação n 1.245, que “a norma do § 4º do art. 57 da C.F. que, cuidando da eleição das Mesas das Casas Legislativas federais, veda a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente, não é de reprodução obrigatória nas Constituições dos Estados-membros, porque não se constitui num princípio constitucional estabelecido”. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.” ( ADI 792, Relator (a): MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/1997, DJ XXXXX-04-2001 PP-00104 EMENT VOL-02027-02 PP00248) (grifou-se).
“CONSTITUCIONAL. MESA DIRETORA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: POSSIBILIDADE DE RECONDUÇÃO. Constituição do Estado de Rondonia, com a EC n. 3/92, artigo 29, I, b. I. – Pedido de suspensão cautelar da expressão “permitida a recondução para o mesmo cargo na mesma legislatura“, contida na alínea b, do inc. I, do art. 29 da Constituição de Rondônia, com a EC n. 3/92. Indeferimento, na forma do precedente contido na ADIn n. 792-RJ. II. – Medida Cautelar indeferida. ” ( ADI 793 MC, Relator (a): CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 01/04/1993, DJ XXXXX-05-1993 PP-10382 EMENT VOL-01705-01 PP-00128)(grifou-se).
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“ Assembleia Legislativa. Permissão de reeleição dos Membros da Mesa Diretora (art. 95, I e § 3º do art. 100, ambos da Constituição do Amapá, com a redação dada pela Emenda nº 7, de XXXXX-10-1996). Relevância jurídica do pedido comprometida em face do decidido, em situação análoga, na ADI 793-RO (DJ XXXXX-5-93) e indesejável inversão do risco decorrente da eventual concessão da liminar como ressaltado na Ação Direta nº 792 (DJ XXXXX-11-92), onde também se contestava a possibilidade de recondução, para o mesmo cargo, perante o art. 57, § 4º, da Carta Federal. Medida cautelar, por maioria indeferida. ” ( ADI 1528 MC, Relator (a): OCTAVIO GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em 27/11/1996, DJ XXXXX-10-2001 PP-00039 EMENT VOL-02046-02 PP-00319) (grifou-se).
“CONSTITUCIONAL. EMENDA CONSTITUCIONAL ESTADUAL Nº 20/96. ALTERA DISPOSITIVO PARA ASSEGURAR A REELEIÇÃO DOS MEMBROS DA MESA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. AUSÊNCIA DO ‘PERICULUM IN MORA’. HIPÓTESE EM QUE NÃO SE ENQUADRA NO ART. 27, § 1º DA CF. ESSA NÃO VEDA A HIPÓTESE DA EC 20/96. INCIDÊNCIA DO ART. 57, § 4º DA CF. HÁ PRECEDENTES. LIMINAR INDEFERIDA.”( ADI 2262 MC, Relator (a): NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 06/09/2000, DJ XXXXX-08-2003 PP-00108 EMENT VOL-02117-33 PP07032).
“Ação direta de inconstitucionalidade. Medida liminar. § 5º do do artigo 58 da Constituição do Estado do Espirito Santo na redação dada pela Emenda Constitucional 27/2000. Falta de relevância jurídica da fundamentação da arguição de inconstitucionalidade para a concessão de liminar. – Esta Corte, já na vigência da atual Constituição – assim, nas ADIN’s 792 e 793 e nas ADIMEC’s 1.528, 2.262 e 2.292, as duas últimas julgadas recentemente -, tem entendido, na esteira da orientação adotada na Representação nº 1 .245 com referência ao artigo 30, parágrafo único, letra f, da Emenda
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Constitucional nº 1/69, que o § 4º do artigo 57, que veda a recondução dos membros das Mesas das Casas legislativas federais para os mesmos cargos na eleição imediatamente subsequente, não é princípio constitucional de observância obrigatória pelos Estados-membros. – Com maior razão, também não é princípio constitucional de observância obrigatória pelos Estados-membros o preceito, contido na primeira parte desse mesmo § 4º do artigo 57 da atual Carta Magna, que só estabelece que cada uma das Casas do Congresso Nacional se reunirá, em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e a eleição das respectivas Mesas, sem nada aludir – e, portanto, sem estabelecer qualquer proibição a respeito – à data dessa eleição para o segundo biênio da legislatura. Pedido de liminar indeferido. ( ADI 2371 MC, Relator (a): MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 07/03/2001, DJ XXXXX-02-2003 PP-00022 EMENT VOL-02097-03 PP00471) (grifou-se).
Questiona-se, todavia, se, após o julgamento da ADI n. 6524/DF, a posição nesta ação adotada seria passível de extensão às Assembleias Legislativas estaduais, em observância ao princípio da simetria.
Na oportunidade, – em que se julgou tão somente os efeitos do art. 57, 4º, da CRFB sob as Casas do Congresso Nacional – a Corte assentou “a impossibilidade de recondução dos presidentes das casas legislativas para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, dentro da mesma legislatura”, bem como admitiu “a possibilidade de reeleição dos presidentes das casas legislativas em caso de nova legislatura”.
Concluir por tal extensão, no entanto, não se demonstra adequado.
Esta Corte já teve a oportunidade de examinar o alcance da interpretação fixada ao art. 57, § 4º, da CRFB para o legislativo federal às assembleias dos Estados. Embora tenha pessoalmente defendido a plena aplicabilidade, nos termos do que consignado no voto da ADI 6.524, o Plenário doutamente acolheu a tese defendida pelo e. Ministro Gilmar Mendes quando do julgamento conjunto das ADIs 6.684, 6.707, 6.709 e
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Assentaram-se, nesse julgamento, as seguinte teses:
“(i) a eleição dos membros das Mesas das Assembleias Legislativas estaduais deve observar o limite de uma única reeleição ou recondução , limite cuja observância independe de os mandados consecutivos referirem-se à mesma legislatura;
(ii) a vedação à reeleição ou recondução aplica-se somente para o mesmo cargo da mesa diretora, não impedindo que membro da mesa anterior se mantenha no órgão de direção, desde que em cargo distinto; e
(iii) o limite de uma única reeleição ou recondução, acima veiculado, deve orientar a formação das Mesas das Assembleias Legislativas que foram eleitas após a publicação do acórdão da ADI 6.524, mantendo-se inalterados os atos anteriores.”
Embora o acórdão ainda não tenha sido publicado, em julgamentos subequentes ( ADI 6.720, ADI 6.721 e ADI 6.722), o Tribunal confirmou o entendimento, conforme as teses a seguir aprovadas, a partir da relatoria do e. Min. Roberto Barroso:
“1. O art. 57, § 4º, da CF, não é norma de reprodução obrigatória por parte dos Estados-membros.
2. É inconstitucional a reeleição em número ilimitado, para mandatos consecutivos, dos membros das Mesas Diretoras das Assembleias Legislativas Estaduais para os mesmos cargos que ocupam, sendo-lhes permitida uma única recondução”.
Nesse último julgamento, acompanhei a posição colegiada, ressalvando a minha compreensão, tal como houvera feito no julgamento anterior.
Como se depreende desse singelo apanhado do tema na jurisprudência desta Corte, a posição colegiada consolidou-se no sentido de que os Estado não estão obrigados a adotar os parâmetros fixados na Constituição Federal para a eleição das mesas diretoras de suas
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assembleias legislativas. No entanto, a reeleição em número ilimitado para os mesmos cargos em mandatos consecutivos é inconstitucional porque contrária aos princípios republicano e democrático, os quais, segundo a maioria, “exigem a alternância de poder e a temporariedade desse tipo de mandato”.
Assim, diferente do que sustenta o requerente, a reprodução de tal dispositivo nas esferas estaduais não é a única maneira de garantir a transitoriedade de poder e efetivação dos princípios democráticos. Tanto assim é que a própria Constituição Federal assegura, em seu art. 14, § 5º, a possibilidade de reeleição dos Chefes do Poder Executivo.
Permitir reeleições indeterminadas e ilimitadas, no entanto, não é prática que coaduna com os supracitados princípios, razão pela qual, no que tange a este ponto, é possível extrair, dos autos da ADI n. 6524/DF, o entendimento de que, ainda que não se aplique o princípio da simetria no que toca o art. 57, § 4º, da CRFB, a reeleição dos dirigentes do Poder Legislativo estadual deve observar o denominador comum hoje disposto no art. 14, § 5º da Constituição Federal – isto é, a permissão de reeleição por uma única vez.
Isso porque reconduções sucessivas ad aeternum “monopoliza[m] o acesso aos mandatos eletivos e patrimonializa[m] o poder governamental, comprometendo, desse modo, a legitimidade do processo eleitoral” ( RE XXXXX/PR, Rel. Min. Celso de Mello). Nesse sentido, por mais que os Estados-membros detenham a prerrogativa de autogoverno para dispor quanto ao processo eleitoral de suas Mesas Legislativas, tal autonomia não deve – e não pode – ser ilimitada.
Corroborando tal raciocínio segue a manifestação do e. Ministro Luís Roberto Barroso nos autos da ADI 6524: “(…) considero legítimo – sobretudo enquanto perdurar a possibilidade de reeleição para a chefia do Poder Executivo – que os presidentes das casas legislativas possam ser reeleitos por uma vez para legislatura subsequente ”. De igual modo, nas ADI’s 6654, 6674 e 6685, as quais também versam acerca da possibilidade de reeleição das Mesas das Assembleias Legislativas estaduais, o relator, e. Ministro Alexandre de Moraes, deferiu medida
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
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ADI 6719 / AM
cautelar para fixar interpretação “no sentido de possibilitar uma única recondução sucessiva aos mesmos cargos da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa ”.
De fato, este é o limite do texto constitucional, a afastar de um lado o veto absoluto às reeleições – violando, assim, o espaço de autonomia do legislativo –, e, de outro a admissão de reconduções desenfreadas.
Sobre estas últimas, pontuou o e. Relator Gilmar Mendes, no julgamento da ADI n. 6524/DF, que não se desconhece “certas situações, transcorridas em Assembleias Legislativas”, que “indicam um uso desvirtuado dessa autonomia organizacional reconhecida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal”, sendo necessário que “esta Corte procure demarcar parâmetro que de algum modo dificulte que a concessão dessa dupla liberdade de conformação (para o ente federativo e para o Poder Legislativo) descambe em continuísmo personalista na titularidade das funções públicas eletivas”.
Destarte, a conclusão firmada pela Corte nos autos da ADI n. 6524/DF contemplou não somente o postulado da continuidade administrativa, como também o princípio republicano.
In casu, a norma ora em análise permite a recondução de membros da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas para idêntico cargo, na mesma legislatura:
“Art. 21. § 3º A Assembleia Legislativa é administrada por uma Mesa Diretora, composta por dez cargos, com denominação e atribuições estabelecidas no Regimento Interno do Parlamento, permitida a recondução de membro da Mesa para idêntico cargo, na mesma legislatura. (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 110, de 29.05.2019)”.
A norma demonstra-se, portanto, no que tange ao período da recondução – se na mesma, ou em legislatura distinta – adequada à jurisprudência da Corte, a qual compreende que a vedação à recondução na mesma legislatura aplica-se tão somente no âmbito das Casas do Congresso Nacional, consoante determina o art. 57, § 4º, da CRFB.
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
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ADI 6719 / AM
Não se demonstra, no entanto, adequada no que condiz à limitação, vez que não prevê a possibilidade de uma única recondução. Isso porque, ainda que se atenha a permitir a reeleição na mesma legislatura, não a veda na legislatura seguinte, de modo tal que seria possível que membros fossem reeleitos de maneira indeterminada – o que vai de encontro aos princípios republicano (1º, caput) e do pluralismo político (artigo 1º, V, todos da Constituição Federal).
Observo, por fim, que a Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, em sessão datada de 03.12.2020, realizou a eleição da Mesa Diretora para o biênio de XXXXX-2022, eleitos os parlamentares Roberto Maia Cidade Filho (Presidente), Josué Neto (1º Vice-Presidente), Mayara Pinheiro Reis (2ª Vice-Presidente), Adjunto Afonso (3º Vice-Presidente), Delegado Péricles (Secretário-Geral), Álvaro Campelo (1º Secretário), Sinésio Campos (2º Secretário), Fausto Jr. (3º Secretário), Felipe Souza (Ouvidor) e Therezinha Ruiz (Corregedora).
Para o biênio anterior, 2019-2020, foram eleitos Josué Neto (Presidente), Alessandra Campêlo (1ª Vice-Presidente), Mayara Pinheiro Reis (2ª Vice-Presidente), Roberto Cidade (3º Vice-Presidente, Delegado Péricles (Secretário-Geral), Cabo Maciel (1º Secretário), Augusto Ferraz (2º Secretário), Fausto Jr. (3º Secretário), Felipe Souza (Ouvidor) e Abdala Fraxe (Corregedor).
Percebe-se, pois, que foram reeleitos os parlamentares que ocuparam os cargos de (i) 2ª Vice-Presidente, (ii) Secretário-Geral, (iii) 3º Secretário e (iv) Ouvidor. Tais reeleições, por seu turno, não invalidam as eleições, posto que os referidos parlamentares foram reconduzidos pela primeira vez em tal pleito.
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a ação para fixar interpretação conforme à Constituição ao artigo 21, § 3º, da Constituição Estadual do Estado do Amazonas, a fim de permitir uma única reeleição dos membros de sua Mesa Diretora, para os mesmos cargos em mandatos consecutivos.
Acompanho o e. Ministro Luís Barroso, em entendimento exarado nos autos da ADI 6720, no sentido de fixar as seguintes teses de
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Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão – Página 17 de 36
ADI 6719 / AM
julgamento: “1. O art. 57, § 4º, da CF, não é norma de reprodução obrigatória por parte dos Estados-membros. 2. É inconstitucional a reeleição em número ilimitado, para mandatos consecutivos, dos membros das Mesas Diretoras das Assembleias Legislativas Estaduais para os mesmos cargos que ocupam, sendo lhes permitida uma única recondução”.
É como voto.
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Supremo Tribunal Federal
VotoVogal
Inteiro Teor do Acórdão – Página 18 de 36
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.719 AMAZONAS
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO
DO AMAZONAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DO AMAZONAS
AM. CURIAE. : PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT –
DIRETÓRIO NACIONAL
ADV.(A/S) : ANTÔNIO MALVA NETO
AM. CURIAE. : UNIÃO NACIONAL DOS LEGISLADORES E
LEGISLATIVOS ESTADUAIS – UNALE
ADV.(A/S) : ANDRÉ BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI
ADV.(A/S) : ALBERTO BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI
V O T O
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Vogal): Em primeiro lugar, peço vênia para adotar o relatório distribuído pelo relator do feito, Ministro Edson Fachin, ressaltando apenas que o cerne da questão sub judice diz respeito à constitucionalidade de normas estaduais que admitem a possibilidade de recondução dos membros da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa para o mesmo cargo no biênio imediatamente subsequente, em contraste com o que dispõe o art. 54, § 4º, da Constituição Federal, que foi objeto de recente controvérsia constitucional no julgamento da ADI 6.524/DF.
O nobre relator propôs a atribuição de interpretação conforme a Constituição Federal aos referidos dispositivos, delimitando a possibilidade de uma única recondução sucessiva aos mesmos cargos da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa.
Compartilho da preocupação de Sua Excelência no tocante à deferência aos princípios republicano e democrático. Da incidência de tais princípios, extraio que, uma vez consolidado o entendimento sobre a
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VotoVogal
Inteiro Teor do Acórdão – Página 19 de 36
ADI 6719 / AM
vedação prevista no art. 57, § 4º, da CF na atual configuração do Supremo Tribunal Federal, a norma deve ser aplicada às eleições das mesas diretoras dos legislativos estaduais, distrital e municipais.
Com efeito, embora, até o julgamento da ADI 6.524/DF, como bem expôs a Ministra Rosa Weber em seu voto, prevalecesse o entendimento de que a norma constante do art. 57, § 4º, da Constituição “não compõe o núcleo material da Constituição Federal, encontrando-se excluída, portanto, do conjunto de temas sujeitos ao princípio da simetria”, extraio da maioria formada naquele julgado paradigmático, cujas razões de decidir transcendem o caso concreto, que o entendimento lá formado deverá aplicar-se também às Constituições e Assembleias Legislativas estaduais, incidindo plenamente o disposto no art. 25 da Carta Magna: “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição” e no art. 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, o qual delimita a autonomia estadual ao prever a obediência da Carta Estadual aos princípios da Federal.
Repito que, embora em um primeiro momento o Supremo Tribunal Federal tenha compreendido que a vedação constante do art. 57, § 4º, da CF não seria de observância obrigatória pelos entes federados (v.g., ADI 793, Rel. Min. Carlos Velloso; ADI 792, Rel. Min. Moreira Alves), há indicativos claros de que o atual entendimento desta Corte atribui novo alcance à regra proibitiva, à luz dos princípios republicano e democrático.
Relembro, neste sentido, as manifestações dos Ministros Edson Fachin, Marco Aurélio e Gilmar Mendes, quando do julgamento da paradigmática ADI 6.524/DF, que transcrevo respectivamente a seguir:
“Tambem não devem prosperar os argumentos trazidos pela Advocacia do Senado Federal, no sentido de haver uma distinção odiosa entre os membros dos poderes legislativos de entidades subnacionais e os da União.
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Supremo Tribunal Federal
VotoVogal
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ADI 6719 / AM
Como bem observou o e. Ministro Marco Aurélio, quando do julgamento da ADI 792, ‘por se tratar da composição de um Poder, da Mesa diretiva de um Poder, a simetria há de ser
respeitada’. Simetria significa,
obviamente, que não podem
dispor Estados e Municípios de forma distinta ao que prevê a
Constituição Federal para as
Casas do Congresso Nacional. ̂
Seja como for, não e esse o ponto controvertido nesta ação, trata-se apenas de explicitar a orientação que deve pautar a prática dos legislativos subnacionais.”
“O Supremo, em diversas oportunidades, apreciou o tema, a partir de normas das Constituições dos Estados-membros. E inaceitável que as Casas Legislativas disponham conforme as conveniências reinantes, cada qual adotando um critério, ao bel-prazer, € luz de interesses moment neos. ‚s balizas do ƒ „… do artigo 57 devem ser observadas de modo uniforme considerada a Federação.”
“A propósito, registro que não desconheço que certas situações, transcorridas em Assembleias Legislativas, indicam um uso desvirtuado dessa autonomia organizacional reconhecida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal. Tais situações inspiram que, em eventual reanalise do tema, esta Corte procure demarcar parâmetro que de algum modo dificulte que a concessão dessa dupla liberdade de conformação (para o ente federativo e para o Poder Legislativo) descambe em continuísmo personalista na titularidade das funções p†blicas eletivas. ‡em se vˆ ‰ue o entendimento ‰ue ora se fixa tem potencial de atingir expectativas legítimas e não apenas no mbito das Casas Šegislativas do Congresso Nacional, cujas normas regimentais figuram no objeto da presente ADI. Mais que isso, nem seria preciso invocar a transcendência dos fundamentos determinantes, tampouco se
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VotoVogal
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ADI 6719 / AM
valer de grande imaginação, para antever que as razões aqui expendidas podem figurar em ações judiciais propostas com a finalidade de impugnar a formação das Mesas das Assembleias Legislativas e Câmara de Vereadores, dos demais entes federais, para o biênio legislativo que se inicia em fevereiro de 2‹21. Consequência normal e esperada de um entendimento ‰ue e veiculado em fiscalização abstrata e dotado de eficácia erga omnes, naturalmente apto, assim, para reger situações futuras.”
Com efeito, em um sistema federativo equilibrado, não podem coexistir, a princípio, normas editadas em distintos níveis políticoadministrativos que contrariem as normas centrais da Constituição Federal, por força do já citado princípio da simetria. Se tal fosse admissível, ao invés de harmonia federativa, veríamos grassar a assimetria e o desequilíbrio, enfim, o caos normativo. É exatamente isso que a nossa sofisticada engenharia constitucional pretendeu evitar, e fê-lo por meio, dentre outros expedientes do princípio da simetria, o qual consagra, assim, a subordinação das Cartas estaduais aos princípios e comandos consagrados na Constituição Federal, limitando a autonomia dos Estados-membros.
Embora o respeito ao princípio da simetria não implique esvaziamento da autonomia dos entes federados, sob pena de desvirtuamento da estrutura de federalismo adotada, é certo que a Constituição de 19ŒŒ, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno, impõe obrigatória observância aos seus princípios, limitando a atuação do poder constituinte estadual, que é secundária, condicionada, subordinada e contínua.
O tema relativo ao chamado princípio da simetria é de longa data objeto de reflexão desta Corte, e tem comportado flexibilidade e modulação. Há certo consenso no sentido de que deve-se resguardar a liberdade dos Estados-membros, no regime federativo, desde que esta
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VotoVogal
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ADI 6719 / AM
não venha a ferir ideais fundamentais para a organização do Estado. Particularmente, tenho sempre enfatizado, ao lado de pensadores que contribuíram para a estruturação do nosso sistema jurídico-político, a relevância do federalismo como esteio de nossa democracia constitucional. Dentre tais pensadores, relembro a lição de Ru Barbosa:
“Ora, num Estado como o Brasil, com uma superfície cuja vastidão compreende mais de oito milhões e trezentos mil quilômetros quadrados, um mundo completo no âmbito das suas fronteiras, com todas as zonas, todos os climas, todas as constituições geológicas, todos os relevos de solo, uma natureza adaptável a todos os costumes, a todas as fases da civilização, a todos os ramos da atividade humana, um meio físico e um meio moral variáveis na mais indefinida escala, – o regime da administração local necessita variar também ilimitadamente, segundo esses acidentes incalculavelmente múltiplos, heterogêneos, opostos, como uma espécie de liga plástica, amoldável a todas essas divergências naturais e sociais num povo esparso em território apenas inferior ao Império britânico,
o Império russo, ao Império chinês e à República americana.” (Comentários à Constituição Federal Brasileira, coligidos por Homero Pires, Vol. I, São Paulo: Saraiva, 1932, págs. 52/53).
Entretanto, com bem ressaltou Carlos Maximiliano, é da “essência da federação que as partes componentes sejam regidas por instituições semelhantes” ( Constituição Brasileira, Rio de Žaneiro: Livraria Globo, 1929, pág. 166). Assim, nas palavras de Žoão Barbalho,
“Há os Estados, com sua existência autônoma, com seus governos à parte, separados quanto ao regime de sua vida local; mas eles são do Brasil, da mesma una e grande pátria, de cuja integridade tanto se mostrou sempre cioso e zelador o povo que os destinos humanos colocaram nesta parte da América ( Constituição Federal Brasileira. Comentários, Rio de Žaneiro: F. Briguiet e Cia. Editores, 1924, págs. 14/15 e 17).”
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VotoVogal
Inteiro Teor do Acórdão – Página 23 de 36
ADI 6719 / AM
Invoco, ainda, a lição de Raul Machado Horta, para quem
“As normas centrais da Constituição Federal, participando das características da norma jurídica, designam um conjunto de normas constitucionais vinculadas € organização da forma federal de Estado, com missão de manter e preservar a homogeneidade dentro da pluralidade das pessoas jur dicas, dos entes dotados de soberania na nião e de autonomia nos Estados-membros e nos Munic pios, ‰ue compõem a figura complexa do Estado Federal. As normas centrais não são normas de centralização, como as do Estado Unitário. São normas constitucionais federais que servem aos fins da participação, da coordenação e da autonomia das partes constitutivas do Estado Federal. Distribuem-se em círculos normativos, configurados na Constituição Federal, para ulterior projeção nas Constituições dos Estados. Nem sempre dispõem de aplicação imediata e automática. Identificam o figurino, o modelo federal, para nele introduzir-se, posteriormente, o constituinte estadual, em sua tarefa de organização do Estado Federado. Não são normas inócuas. A infringência de normas dessa natureza, na Constituição do Estado ou na legislação estadual, gera a sanção da inconstitucionalidade.” (Normas Centrais da Constituição Federal. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 34 n. 135 jul./set. 1997. p. 176).
Mesmo nos casos em que o Supremo Tribunal Federal firmou a inaplicabilidade do princípio da simetria ao disposto no art. 57, § 4º, da Constituição, votos vencidos ponderaram a inconveniência de tal entendimento. Assim, por exemplo, no julgamento da ADI 792, acompanhou a divergência do Ministro Marco Aurélio o Ministro Néri da Silveira, que assim ponderou:
“Nosso constitucionalismo mudou desde 1934. Adotou-se um sistema de simetria na organização dos Poderes dos Estados
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quanto aos Poderes correspondentes no âmbito federal. Não vejo nenhuma justificativa, nessa linha de simetria que se mantém em relação à organização dos Poderes, para se abrir essa exceção e admitir que, nas Assembleias Legislativas, os Presidentes possam se reeleger quantas vezes quiserem e, assim, comandarem o corpo legislativo por tempo indeterminado.
Sobre ser saudável o princípio da renovação do comando das Casas Legislativas, assim como entendo saudável a renovação do comando da Administração Federal e do comando dos Tribunais, penso que, no caso concreto, nada está a justificar permaneça a regra local que admite reeleição de Presidente da Assembleia Legislativa.”
Enfim, à luz de todas essas reflexões, bem como do entendimento da douta maioria no julgamento da ADI 6.524/DF, penso ser de rigor a procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.
Passo, finalmente, a abordar o tema da aplicação da técnica conhecida como “superação prospectiva” (prospective overruling).
Ressalto, primeiramente, que, na generalidade das situações, prevalece o princípio da nulidade da lei inconstitucional, ressalvando-se apenas as situações em que tal princípio revelar-se absolutamente inidôneo para a finalidade perseguida, como nas hipóteses em que a sua aplicação trouxer graves danos ao sistema jurídico constitucional. No caso, vislumbro conflito entre os princípios constitucionais da nulidade e da segurança jurídica, pela mudança de entendimento jurídico que ora se opera, ao se compatibilizar o regramento nos níveis federais e estaduais, justificando-se a complexa ponderação pela qual pugna o partido político PDT. Nesse sentido, em seu substancioso voto proferido na ADI 6.524/DF, o Ministro Gilmar Mendes assim refletiu sobre as futuras implicações do debate que ali se travava:
“Mais que isso, nem seria preciso invocar a transcendência
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dos fundamentos determinantes, tampouco se valer de grande imaginação, para antever que as razões aqui expendidas podem figurar em ações judiciais propostas com a finalidade de impugnar a formação das Mesas das Assembleias Legislativas e Câmara de Vereadores, dos demais entes federais, para o biênio legislativo que se inicia em fevereiro de 2‹21. Consequência normal e esperada de um entendimento que é veiculado em fiscalização abstrata e dotado de eficácia erga omnes, naturalmente apto, assim, para reger situações futuras.
Esse estado de coisas reclama que o Supremo implemente seu novo entendimento observando a exigência de gradualidade que é esperada da jurisdição constitucional, mormente em se tratando de acórdão que veicula interpretação nova. Considerando a inserção do critério de 1 (uma) única reeleição delineia condição de elegibilidade, credencia-se como adequada ao caso, ainda que por inspiração analógica, a jurisprudência construída ao redor do art. 16 da Constituição Federal (princípio da anterioridade ou anualidade em relação à mudança da legislação eleitoral, mais recentemente vide: ADI 5.39Œ-MC-Ref, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 9.5.2‹1Œ).
No julgamento do RE 637.4Œ5/RŽ – RG (de minha relatoria, j. 1º.Œ.2‹12, Plenário), que proscreveu a figura do “prefeito itinerante”, este Tribunal pontificou que, para além do art. 16 da CF/ŒŒ, imediatamente voltado para vedar a mudança do direito positivo a menos de um ano de pleito eleitoral, a Constituição também alberga norma, ainda que implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como princípio da anterioridade ou anualidade em relação à alteração de jurisprudência eleitoral. Decidiu-se, assim, que modificação de jurisprudência na seara eleitoral não tem aplicabilidade imediata: somente surtirá efeitos sobre outros casos no pleito eleitoral posterior. Em situações de nova interpretação do texto constitucional, impõe-se ao Tribunal, tendo em vista razões de segurança jurídica, a tarefa de proceder a uma ponderação das consequências e ao devido ajuste do resultado, adotando a técnica de decisão que possa melhor traduzir evolução
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VotoVogal
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ADI 6719 / AM
jurisprudencial adotada:
‘Ressalte-se, neste ponto, que não se trata aqui de declaração de inconstitucionalidade em controle abstrato, a qual pode suscitar a modulação dos efeitos da decisão mediante a aplicação do art. 27 da Lei 9.Œ6Œ/99. O caso é de substancial mudança de jurisprudência, decorrente de nova interpretação do texto constitucional, o que impõe ao Tribunal, tendo em vista razões de segurança jurídica, a tarefa de proceder a uma ponderação das consequências e o devido ajuste do resultado, adotando a técnica de decisão que possa melhor traduzir a mutação constitucional operada. Esse entendimento ficou bem esclarecido no julgamento do RE XXXXX/PR, Rel. Min. Marco Aurélio e do RE 37‹.6Œ2/SC, Rel. Min. Ilmar Galvão (caso IPI alíquota zero).’ ( RE 637.4Œ5/RŽ – RG, Plenário, de minha relatoria, j. 1.Œ.2‹12).
Por tudo isso, em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, no matiz conferido pela aplicação analógica do art. 16 da Constituição Federal, premente convir que o novo entendimento jurisprudencial aqui fixado somente pode ser exigido de modo temperado, nos termos das seguintes balizas: (1) reconhece-se a possibilidade de as Casas do Congresso Nacional deliberarem sobre a matéria em apreço (seja por via regimental, por questão de ordem ou mediante qualquer outro meio de fixação de entendimento próprio à atividade parlamentar, como usualmente ocorre), (2) desde que observado, em qualquer caso, o limite de uma única reeleição ou recondução sucessiva ao mesmo cargo; (3) assentase, outrossim, que o limite de uma única reeleição ou recondução, acima veiculado, deve orientar a formação das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal a partir da próxima legislatura, resguardando-se, para aquela que se encontra em curso, a possibilidade de reeleição ou recondução, inclusive para o mesmo cargo, uma vez que próxima eleição para a Mesa das Casas do Congresso Nacional, que ocorrerá em fevereiro de 2‹21, situa-se em lapso inferior a 1 (um) ano da
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VotoVogal
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ADI 6719 / AM
prolação do presente acórdão – inteligência do art. 16, CF/ŒŒ.”
Assim, voto pela incidência de efeitos ex nunc à decisão desta Corte.
Isso posto, voto pela procedência integral da presente ação direta de inconstitucionalidade, devendo aplicar-se in totum, também no âmbito estadual, o entendimento firmado por esta Corte na ADI 6.524/DF, com efeitos ex nunc a partir do julgamento deste feito.
É como voto.
Supremo Tribunal Federal
VotoVogal
Inteiro Teor do Acórdão – Página 28 de 36
18/12/2021 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.719 AMAZONAS
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO
DO AMAZONAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DO AMAZONAS
AM. CURIAE. : PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT –
DIRETÓRIO NACIONAL
ADV.(A/S) : ANTÔNIO MALVA NETO
AM. CURIAE. : UNIÃO NACIONAL DOS LEGISLADORES E
LEGISLATIVOS ESTADUAIS – UNALE
ADV.(A/S) : ANDRÉ BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI
ADV.(A/S) : ALBERTO BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI
V O T O
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: O voto do eminente Min. Relator reverbera com precisão não apenas o precedente firmado por esta Corte no julgamento da ADI 6524, de minha relatoria, DJe de 06/04/2021, que se referia à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, como também a compreensão cristalizada em recentes julgamentos concernentes às Casas Legislativas estaduais.
Reporto-me às ADI 6684, 6707, 6709 e 6710, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgadas na Sessão Virtual de 10/09/2021 a 17/09/2021, acórdão pendente de publicação; ADI 6720, 6721 e 6722, Rel. Min. Roberto Barroso, julgadas na Sessão Virtual de 17/09/2021 a 24/09/2021, acórdão pendente de publicação; e ADI 6685 e 6699, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgadas na Sessão Virtual de 17/09/2021 a 24/09/2021, acórdão pendente de publicação.
Anoto, porém , que nesses precedentes o Plenário estabeleceu implementação gradual da nova compreensão da Corte, que delineou limite objetivo à reeleição ao mesmo cargo das Mesas Diretoras das
Supremo Tribunal Federal
VotoVogal
Inteiro Teor do Acórdão – Página 29 de 36
ADI 6719 / AM
Assembleias Legislativas, conferindo segurança jurídica e previsibilidade à atuação dos agentes políticos.
No exame da ADI 6704, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 17/11/2021, esta Corte assim delimitou a incidência gradual do novo limite objetivo à reeleição a cargos das Mesas Diretoras das Casas Legislativas estaduais:
Ação direta de inconstitucionalidade. Constituição do Estado de Goias (art. 16, § 3º) e Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Art. 9º, § 2º). Normas sobre a eleição dos membros da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa estadual. Reeleição. Possibilidade. Inaplicabilidade da regra inscrita no art. 57, § 4º, da Constituição Federal aos Estados-membros. Precedentes. Recondução dos integrantes da Mesa parlamentar limitada a um único mandato subsequente, independentemente de se tratar da mesma legislatura ou não. Observância dos postulados republicanos da alternância e da temporalidade. Precedentes. 1. A cláusula inscrita no art. 57, § 4º, da CF não caracteriza norma de reprodução obrigatória, cabendo aos Estados-membros, no exercício de sua autonomia político administrativa, a definição quanto à possibilidade ou não da reeleição dos membros da Mesa da Assembleia Legislativa estadual. Precedentes. 2. A autonomia dos Estados-membros quanto à elaboração das regras pertinentes às eleições das Mesas das Assembleias Legislativas estaduais não se reveste de caráter absoluto, devendo conformar-se aos postulados da alternância e da temporalidade, motivo pelo qual viola o princípio republicano a possibilidade de reeleição ilimitada dos integrantes dos órgãos diretivos das Casas parlamentares estaduais sem qualquer restrição do número máximo de eleições sucessivas. 3. Aplicação, no caso, da nova diretriz jurisprudencial desta Suprema Corte (ADI XXXXX/DF), no sentido da possibilidade da reeleição dos membros das Mesas das Assembleias Legislativas estaduais, limitada a uma única recondução, na mesma legislatura ou na subsequente. Precedentes. 4. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida.
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VotoVogal
Inteiro Teor do Acórdão – Página 30 de 36
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Pedido julgado parcialmente procedente, para dar interpretação conforme aos preceitos normativos impugnados, de modo a permitir uma única reeleição dos membros da Mesa da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, na mesma legislatura ou na subsequente, em conformidade com os critérios fixados por esta Corte no julgamento da ADI XXXXX/DF. 5. Modulação dos efeitos da decisão, para conferir efeitos retroativos limitados ao julgamento, mantida a composição da Mesa Diretora eleita antes de 06.4.2021 (data da publicação do acórdão da ADI 6.524/DF), tal como estabelecido no âmbito da ADI XXXXX/DF .
( ADI 6704, Relator (a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 04/11/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-226 DIVULG XXXXX-11-2021 PUBLIC XXXXX-11-2021)
A fórmula da retroatividade limitada preserva na exata medida as posições jurídicas anteriores ao pronunciamento do Supremo Tribunal Federal e elucida a incidência da gradualidade nas situações jurídicas concretas: a composição atual da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa deve ser mantida, assegurada aos seus membros uma única reeleição aos mesmos cargos, independentemente da legislatura e das composições que antecederam ao julgamento do Supremo Tribunal Federal .
Com essas ressalvas, acompanho o eminente relator.
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Supremo Tribunal Federal
VotoVogal
Inteiro Teor do Acórdão – Página 31 de 36
18/12/2021 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.719 AMAZONAS
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO
DO AMAZONAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DO AMAZONAS
AM. CURIAE. : PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT –
DIRETÓRIO NACIONAL
ADV.(A/S) : ANTÔNIO MALVA NETO
AM. CURIAE. : UNIÃO NACIONAL DOS LEGISLADORES E
LEGISLATIVOS ESTADUAIS – UNALE
ADV.(A/S) : ANDRÉ BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI
ADV.(A/S) : ALBERTO BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI
VOTO-VOGAL
O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES: Adoto o relatório do eminente Min. Edson Fachin.
Passo ao voto.
De fato, bem analisadas as razões que dão sustentação ao acórdão proferido na ADI 6.524, é de se rever a antiga jurisprudência (ver, especialmente, ADI 793), que, na vigência da Constituição de 1988, atribuía às Assembleias dos Estados-Membros total liberdade para disporem sobre a possibilidade e os limites da reeleição de suas Mesas.
No referido processo objetivo, após criteriosa análise do art. 57, § 4º, da Constituição Federal, o Supremo assentou que
[…] o art. 57, § 4º, da Constituição Federal de 1988 requer interpretação do art. 5º, caput e § 1º, do RICD, e o art. 59, RISF, que assente a impossibilidade de recondução de Membro da
Supremo Tribunal Federal
VotoVogal
Inteiro Teor do Acórdão – Página 32 de 36
ADI 6719 / AM
Mesa para o mesmo cargo, na eleição imediatamente subsequente, que ocorre no início do terceiro ano da legislatura. Também por maioria, o Tribunal reafirmou jurisprudência que pontifica que a vedação em referência não tem lugar em caso de nova legislatura, situação em que se constitui Congresso novo .
(Grifei)
Rigorosamente, a decisão proferida na ADI 6.524 não inovou na compreensão da regra constitucional, porém conferiu ao tema status inteiramente novo, dada a vasta discussão a seu respeito e a apreciação de aspectos históricos e institucionais que o envolvem.
O Tribunal, no esforço para extrair o melhor sentido da regra constitucional ( CF, art. 57, § 4º), acabou por revelar que aquele debate, em si mesmo, requalificava a hierarquia do problema da reeleição das Mesas assumida àquela altura.
Se, nos albores da Constituição de 1988, esta Corte não hesitou em reconhecer às Assembleias Legislativas plena liberdade para disporem sobre a composição e recomposição de suas Mesas, aduzindo consolidada compreensão que tinha o tema da reeleição como não sendo de reprodução obrigatória pelos Estados, o certo é que a experiência histórica acumulada no período e o recrudescimento da matéria no âmbito do próprio Parlamento nacional impõem que a questão seja revisitada.
Nesse contexto, não há como considerar o problema da reeleição das Mesas um tema menor, passível de receber tratamento completamente diverso dentro da Federação, a ponto de a reeleição ser proibida em alguns Estados e admitida ilimitadamente em outros.
Como ressaltei no voto que proferi na ADI 6.524, a Emenda Constitucional n. 16/1997, ao instituir a reeleição para os chefes do Poder
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Supremo Tribunal Federal
VotoVogal
Inteiro Teor do Acórdão – Página 33 de 36
ADI 6719 / AM
Executivo dos três níveis federativos, alterou profundamente o equilíbrio dos Poderes. Naquela ocasião, ressaltei:
A perda de sincronicidade entre os Poderes Executivo e Legislativo fez-se sentir rapidamente e o Parlamento reagiu de forma adaptativa, criando, na prática, uma reeleição branca, logo na primeira ocasião após a reeleição presidencial. De fato, não pode ter sido fortuito que, logo na primeira eleição para as Mesas da Câmara e do Senado pós-EC 16/97, tenha-se iniciado um processo de releitura do art. 57, § 4º, mediante a criação de distinções cada vez mais sofisticadas para justificar a não aplicação da norma contida no texto a essa ou aquela situação (admitindo-se reeleições em legislaturas diferentes ou para mandatos-tampão, por exemplo). E agora se chega ao cume do processo, quando já é colocada em dúvida a coerência dessa norma com a própria dinâmica interna do Parlamento.
A retomada do equilíbrio, rompido com a mencionada emenda constitucional, pressupõe solução nacional, apta a deixar os Poderes Executivo e Legislativo em situação de maior simetria. Não é possível, no contexto atual, que as Assembleias tenham reeleições ilimitadas, enquanto ao Poder Executivo é permitido ter apenas uma.
Por outro lado, também não me parece viável estender para os Estados in totum aquilo que foi fixado para o Congresso Nacional, em atenção à circunstância de que uma interpretação bastante antiga do Tribunal sempre considerou que a norma proibitiva da eleição das Mesas do Congresso Nacional não é de reprodução obrigatória.
A solução de compromisso entre as duas interpretações me parece ser aquela apresentada pelo ministro Gilmar Mendes: aceita-se a reeleição das Mesas nas Assembleias, por uma única vez, respeitando-se os atos praticados antes da publicação do acórdão formalizado na ADI 6.524.
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Supremo Tribunal Federal
VotoVogal
Inteiro Teor do Acórdão – Página 34 de 36
ADI 6719 / AM
Contempla-se, assim, a vetusta posição do Supremo que prestigia a capacidade de auto-organização dos Estados, e, ao mesmo tempo, restabelece-se minimamente e com segurança o equilíbrio entre os Poderes locais, permitindo-se a reeleição das Mesas apenas uma vez, conforme ocorre, também, com o cargo de Governador.
Quanto à questão das eleições de Mesas ocorridas antes da publicação da decisão na ADI 6.524, estou de acordo com o ministro Gilmar Mendes, no sentido de que tais atos devem ser preservados, em homenagem à segurança jurídica. Afinal, o entendimento novo do Supremo altera, por via hermenêutica, prática que se consolidou há décadas e contou com o respaldo na própria jurisprudência do Tribunal. Com a devida vênia, não faz sentido retrogradar a solução para apanhar casos que se deram em perfeita sintonia com o entendimento da época.
Em adição, tendo em vista aspectos de coerência interpretativa, parece-me que o termo inicial da eficácia deste julgamento deve ser a data de seu encerramento, uma vez que, antes disso, não havia precedente algum do Tribunal sobre a matéria. Ademais, a aplicação da ratio decidendi da ADI 6.524 não significa a extensão da eficácia da publicação do julgamento daquele caso para os Estados-Membros.
Cumpre observar, ainda, haver semelhança jurídica entre a ADI 6.524 e as ações diretas propostas contra normas estaduais que consagram a reeleição ilimitada para Mesas de Assembleias. No entanto, não se pode estender diretamente o efeito jurídico da publicação do acórdão daquela ação para estas, porque, enquanto na primeira o Supremo avaliou a possibilidade de abrandar regra proibitiva , nas demais ocorreu exatamente o oposto: o Tribunal caminhou no sentido de restringir norma permissiva .
Ante o exposto, acompanho o relator no mérito , para declarar inconstitucional a normativa estadual impugnada e fixar a eficácia da
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Supremo Tribunal Federal
VotoVogal
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ADI 6719 / AM
decisão na data do encerramento deste julgamento , preservadas todas as eleições anteriores a essa data .
É como voto .
Supremo Tribunal Federal
ExtratodeAta-18/12/2021
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PLENÁRIO EXTRATO DE ATA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.719
PROCED. : AMAZONAS RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO AMAZONAS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO
ESTADO DO AMAZONAS
AM. CURIAE. : PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT – DIRETÓRIO
NACIONAL
ADV.(A/S) : ANTÔNIO MALVA NETO (34121/DF)
AM. CURIAE. : UNIÃO NACIONAL DOS LEGISLADORES E LEGISLATIVOS
ESTADUAIS – UNALE
ADV.(A/S) : ANDRÉ BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI (7040O/MT)
ADV.(A/S) : ALBERTO BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI (7234O/MT)
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para fixar interpretação conforme à Constituição ao artigo 21, § 3º, da Constituição Estadual do Estado do Amazonas, a fim de permitir uma única reeleição dos membros de sua Mesa Diretora, para os mesmos cargos em mandatos consecutivos, e fixou as seguintes teses de julgamento: “1. O art. 57, § 4º, da CF, não é norma de reprodução obrigatória por parte dos Estadosmembros. 2. É inconstitucional a reeleição em número ilimitado, para mandatos consecutivos, dos membros das Mesas Diretoras das Assembleias Legislativas Estaduais para os mesmos cargos que ocupam, sendo-lhes permitida uma única recondução”, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, que julgavam integralmente procedente a ação. Os Ministros Nunes Marques e Gilmar Mendes acompanharam o Relator com ressalvas. Plenário, Sessão Virtual de 10.12.2021 a 17.12.2021.
Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Nunes Marques.
Carmen Lilian Oliveira de Souza
Assessora-Chefe do Plenário