Crônica — Carlos Bolsonaro e o voo do pinguim

Arte: Blog do Pávulo

Por JG

Carlos Bolsonaro, o vereador do Rio de Janeiro com fala contida, olhar vigilante e dedos ligeiros no teclado, resolveu mirar mais alto: quer uma cadeira no Senado da República. E não no seu quintal carioca, mas no gelado reduto sulista de Santa Catarina. O gesto é audacioso, quase um salto ornamental. Um carioca querendo representar os catarinenses? Um pinguim se aventurando fora do iceberg?

Pois bem, a legislação eleitoral não é burra, mas também não é sentimental. Permite, sim, que o vereador do Rio seja candidato a senador por Santa Catarina — desde que ele comprove domicílio eleitoral no estado pelo menos seis meses antes da eleição. E, claro, esteja em dia com a Justiça Eleitoral. Em outras palavras: mude-se oficialmente, troque o CEP, finja sotaque ou ache algum vínculo afetivo com Joinville, Blumenau ou Criciúma. A lei aceita. O povo, talvez não.

E a vereança? Carlos não precisa renunciar de imediato. Pode concorrer ao Senado sem largar o mandato na Câmara Municipal do Rio. Só se vencer (ou se quiser manter a pose ética de campanha) é que deixará o posto. Afinal, a cadeira no Senado é poltrona de couro com vista panorâmica — atrai mais que banco de madeira em plenário municipal.

Mas o curioso da história não é a viabilidade jurídica. É o enredo político. Um Bolsonaro se lançando longe da base, num estado onde o sobrenome ainda rende aplausos — embora os ventos estejam menos previsíveis do que em 2018. O gesto tem ares de fuga estratégica, talvez uma tentativa de escapar da zona de desgaste carioca. Ou seria só mais um lance para manter a família espalhada nos tabuleiros do poder?

Afinal, Carlos é mais do que o “filho 02”. É o estrategista digital do bolsonarismo, o sentinela das redes, o mestre da retórica silenciosa — um tuíte, uma guerra. No Senado, teria holofote nacional, foro privilegiado e, claro, o microfone aberto para discursos inflamados ou silêncios calculados.

Santa Catarina que se prepare. O Rio já se acostumou. O Brasil, como sempre, assiste: entre perplexo e entediado.

Se o pinguim vai voar, saberemos nas urnas. Porque, na política brasileira, até o improvável é só uma questão de tempo.