BRASÍLIA (DF) – O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, foi o primeiro integrante do chamado “núcleo central” do golpe de Estado a prestar depoimento no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira (9). No interrogatório, Cid confirmou a existência do plano golpista de 2022 e detalhou o papel de Bolsonaro, Braga Netto e outros militares envolvidos nas articulações.
Cid, que firmou acordo de delação premiada com a Polícia Federal, não apenas corroborou as acusações apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), como também trouxe novos elementos que ligam diretamente o ex-presidente à tentativa de ruptura institucional.
Bolsonaro leu e editou minuta do golpe
Logo no início do depoimento, Cid revelou que Bolsonaro teve acesso à chamada “minuta do golpe” — um documento que previa medidas autoritárias para anular o resultado das eleições de 2022. Segundo ele, o ex-presidente sugeriu alterações no texto, inclusive pedindo a retirada de trechos que ordenavam a prisão de autoridades, como ministros do Supremo Tribunal Federal e líderes do Congresso.
“Ele [Bolsonaro] reduziu o conteúdo, excluindo a maior parte das ordens de prisão, mas manteve o ministro Alexandre de Moraes como alvo”, disse Cid.
Pressão sobre o Ministério da Defesa
Outro ponto explosivo do depoimento envolveu a pressão exercida por Bolsonaro sobre o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira. O ex-presidente, segundo Cid, exigia um relatório “duro” contra as urnas eletrônicas, apesar da ausência de indícios de fraude.
“Bolsonaro queria um documento que colocasse o sistema eleitoral sob suspeita. Quando soube que o relatório seria neutro, mandou cancelar a entrega ao TSE”, afirmou.
De acordo com a PGR, essa tentativa de manipular o relatório militar fazia parte da estratégia para justificar uma intervenção militar.
Braga Netto: elo entre Bolsonaro e os acampamentos
Mauro Cid apontou o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro, como o principal intermediário entre o Palácio do Planalto e os acampamentos golpistas montados em frente aos quartéis.

Além disso, revelou que Braga Netto enviou dinheiro em espécie ao Palácio da Alvorada — escondido em uma caixa de vinho — que foi repassado ao major Rafael de Oliveira, integrante do grupo militar conhecido como “kids pretos”, ligado à operação Punhal Verde e Amarelo, que planejava atentados contra autoridades.
“Recebi a caixa de vinho com dinheiro das mãos de Braga Netto e repassei ao major Rafael. Não sei o valor exato”, disse Cid.
Tentativa de monitoramento ilegal de Moraes
O ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, questionou Cid sobre supostos pedidos de monitoramento de suas atividades. O militar confirmou que, a pedido de aliados de Bolsonaro, houve tentativas de rastrear os movimentos do magistrado.
“Recebíamos informações de que ministros se reuniam com adversários. Algumas vezes pedíamos apoio da Aeronáutica ou de ministros para confirmar”, afirmou Cid.
Grupo planejava assassinatos
Ao ser questionado sobre o plano para assassinar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, Cid negou envolvimento direto e disse ter tido conhecimento do caso apenas pela imprensa, no momento da prisão dos militares investigados.
O plano, identificado como Punhal Verde e Amarelo, seria executado caso o golpe fosse bem-sucedido. O STF aponta que Braga Netto teve um papel ainda mais relevante do que se imaginava inicialmente, sendo peça-chave no financiamento e articulação das ações ilegais. O general está preso desde dezembro de 2024.
Bolsonaro se omitiu diante dos acampamentos
Cid também declarou que Bolsonaro nunca atuou para desmobilizar os acampamentos golpistas espalhados pelo país, mesmo após a diplomação de Lula.
“Ele dizia: ‘Não fui eu que chamei, não sou eu que vou mandar embora’”, relatou o ex-ajudante.
Para os investigadores, essa postura foi interpretada como anuência tácita às ações que culminaram nos ataques de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.
Críticas a Moraes em grupo de militares
Durante a audiência, Moraes perguntou se havia sido citado em reuniões dos “kids pretos”. Cid confirmou que o ministro era frequentemente alvo de críticas, memes e até figurinhas em tom ofensivo.
“O senhor era muito criticado, ministro”, disse Cid, arrancando risos constrangidos na Primeira Turma do STF. Moraes respondeu com ironia: “Estou acostumado”.
Conclusão
O depoimento de Mauro Cid representou um marco na investigação sobre a tentativa de golpe de Estado no Brasil. Pela primeira vez, um militar próximo de Jair Bolsonaro confirmou o envolvimento direto do ex-presidente em ações para reverter o resultado eleitoral.
Além disso, os relatos implicam profundamente figuras centrais do governo anterior, como Braga Netto, ampliando o alcance da investigação da Polícia Federal e da PGR.